domingo, 14 de outubro de 2007

Casos de "rosinha": A PONTE

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beijok da Rosinha.
Casos de "rosinha": A PONTE

A PONTE

A parede lateral da cozinha havia sido demolida para ceder espaço ao novo cômodo. Meu espaço privado. Pequeno, sei, mas só meu. Foi presente de minha querida tia Dulce. Tão logo tomou ciência do convite que recebi para participar do lançamento de uma coletânea de poesia, no sul, ficou emocionada, e providenciou as coisas por aqui... No fundo mesmo, minha felicidade era saber que a velha máquina de escrever deixaria enfim, de disputar espaço com o liquidificador à arca de jacarandá da copa. Resistimos quase vinte anos a estas precárias condições... Falei baixinho pra mim mesmo relembrando o tempo que por ali me inspirei...
O fato é que, desde então, comecei a divagar e vislumbrar suspirosa o prazer que estava tendo, pois o merecia! O entra e sai do pedreiro com carrinho abarrotado de entulho, transformava a rotina pacata de meus dias até então. Aliás, as mudanças foram muitas. Mérito do senhor Ataíde, o famoso: “língua nervosa”, que espalhou a notícia, e assim, findou meu anonimato literário.
As visitas foram muitas, desde do pai de santo, muito simpático se diga, que Gilda trouxe pra me benzer contra a famosa inveja que Gilda entende e acredita, até a unção especial que Padre Miguel Luiz, me dedicou na última missa... Sem falar nas recompensas vindouras. Pra começar, recebi uma cortesia do Coifair Samaris, que adorei, para viver o meu "dia de princesa." Imagina, um dia todo dedicado a mim, e com direito até, a tal depilação especial com cera importada, que Leila tanto comenta...Uma semana de jornais grátis, presente muito bem vindo do senhor Juvenal... E consta mencionar, que até, o atendimento no mercadinho da esquina sofreu mudanças. O dono fez questão de me atender pessoalmente. E era tanta gentileza que não cabia ao bairro... Até, ouvi contar, que Associação dos Moradores do Bairro, corria lista pelas ruas a fim de angariar fundos para a confecção de faixas coloridas, que ficariam espalhadas pelas esquinas, me congratulando o feito. Demais!!! A esta altura, estava me sentindo a própria Danielle Steel, autora de um best-seller que amei o prazer: Amor Sem Igual...
E, foi nessa virada da maré, que, como bem diz Lucrecia: quem não sabe remar naufraga, que tive a honra de conhecer o jovem Marcelino. Um competente pedreiro que indico de olhos vendados e empenho palavra se preciso for. Basta dizer, que logo de cara, nos tornamos bons amigos... Sampaio tem razão quando diz que sou muito conversadora, mas está na alma esse dom, e dom é coisa que não se pode evitar... Era recém chegado do nordeste, onde, deixou esposa e quatro meninos pequenos empenhorados com o senhorio da humilde casa alugada no interior do interior do interior... E sorria contando sua tragédia pessoal usando a mão como escudo a boca, a fim de esconder o vexame de não possuir a maioria dos dentes. Acostumei-me a vê-lo às manhãs, e sempre muito bem humorado... Enquanto erguia o espaço entre a cozinha e a área, doava idéias ótimas ao pequeno projeto, idéias que aproveitei a maioria.
A obra logo tomou rumo e sentido. A casa, por ser antiga, de vila, fazia com que uma nuvem de poeira espessa invadisse as frestas das janelas vizinhas causando vermelhidão nos olhos das crianças, irritação nos brônquios, coriza. A tarde começava a findar, mas o maldito barulho surdo e compassado da marreta as paredes firmes, insistia, e fazia tremer o meu mundo... Mas comparando o prazer que sentia, o mundo, literalmente falando, poderia vir abaixo que não me importaria. Marcelino não cedia trégua. Levava as horas cantando modinhas do sertão que me encantava os refrões. Devido à falta de estudos, fato muito comum em toda parte do país, cometia equívocos hilários, mas ninguém é perfeito de todo. Quem pensa que sabe tudo, ou sabe mais, comete maior equívoco! Aprendi que cada qual sabe dar conta de um particular da vida... Eu jamais ergueria uma parede tão perfeita. Certa vez, em prosa com Sampaio, após o café, o jovem desapercebido, confundiu concepção com Conceição. Sampaio estava de boa maré, e fingiu ignorar o fato. Até consentiu, que Marcelino, muito abatido se diga, narrasse a triste história da erisipela crônica nas pernas de sua tia, a Conceição.
Com João Pedro foi melhor ainda. Meu bancário talentoso, aconselhava-o a começar a pagar uma autonomia. Mal começou a falar, Marcelino interrompeu-o, com certa arrogancia estampada, agradeceu, mas dispensou o bom conselho contando que o que ganhava, mal dava pra comer. E no mais, falou. “Carteira de autonomista pra quê, se nem sei dirigir”. Meu João pasmou e antes que tentasse explicar, me adiantei lembrando-o da hora... Mas, foi o episódio da ponte que me fez gargalhar de chorar sem mágoa ou dor. Imagine que o simpático pedreiro, às vésperas de concluir a obra, me chamou pra um particular. Percebi-o muito tímido, receoso, mas o coitado só buscava saber se eu conhecia outro pedreiro pra indicá-lo como ajudante. Aceito qualquer coisa no momento. Não posso parar de trabalhar dona Rosinha. - Falou preocupado. Caso contrário minhas crianças morrem de fome e no relento. Vendo aqueles olhos lacrimosos, tentando disfarçar o medo futuro, lamentei toda miséria do mundo, com a alma pesarosa. Deus, somente Ele sabia como me senti naquele momento, mas infelizmente, como expliquei, o único pedreiro que conheci e que por anos me serviu, o senhor Otávio, já estava aposentado. Foi logo após, fazer as duas pontes de safena! Falei abatida e suspirosa. Mas, Marcelino de fato era muito mal entendido das coisas. Imagine, que encheu o peito de ar e respondeu meio que despeitado, que se um dia na vida, lhe couber a mesma sorte, com certeza se aposentaria também. Meu coração disparou ouvindo-o explicar: Imagine eu, pegando a empreitada de duas pontes em Safena... Com uma só, eu lavava a égua, aliás, eu lavava era o gado todo, dona Rosinha. – Concordei gargalhando e num forte abraço dispensei-o.
Relembrando os fatos, confesso que sou apaixonada demais, por esse ser raríssimo, chamado “gente”!


Texto de:
Marisa Rosa Cabra;

O PÃO

Hoje faz dois anos, três meses e catorze dias que pratico minha caminhada matinal e por mero prazer. Claro que no início, sobre grande pressão, mas a gente se acostuma. Foi ordem do doutor médica pra diminuir meu peso, que, aliás, naquela época tudo em mim andava em alta... A pressão arterial, o colesterol, a glicose, a gula sem mencionar a preguiça. Em baixa somente a auto-estima. Todo início é difícil! Quem disse isto, na certa, andava exagerando em alguma coisa.
Não perco da lembrança aquele primeiro dia. Um vexame! Foi o Janeiro mais quente da minha vida. 76 quilos e oitocentos gramas, socados neste corpinho de apenas, 1,63cm. O excesso já há muito, ia se acumulando... Nas nádegas, seios... Pra se ter uma noção mais clara, era impossível identificar aonde começava e terminava minha barriga. Minhas curvas resumiam-se do queixo pro pescoço, do pescoço pros seios e dos seios pras canelas... E apesar das inumera evidencias, ainda tentei desistir na primeira tentativa. Mas Sampaio não permitiu. Começou um maldito discurso moralista. Comentou até, as estatística, repetindo as mesmas palavras do médico, que a maioria dos infartos fulminantes se dava por conta da obesidade. Pobre Mariana! A menina tomava seu café tranqüilamente, ouvindo-o se apavorou...
Saí de casa às seis horas em ponto, cronometrada pelo relógio paraguaio que Sampaio comprou e preservou na embalagem durante oito meses... Encarei os 42 graus de calor que fazia, e ainda vestida num terrível casaco de moletom estampado de girassóis amarelos vibrantes, presente que Sampaio me trouxe-o de véspera, contando que era a última moda na zona sul. Deus! Um jardim suspenso da Babilônia... Sim... E suspenso por um par de tênis, azul com laranja 38, mas no pé parecia 44 e o diabo de uma luz no solado que ascendia a cada passada! Estava me sentindo a fachada luminosa de um desses “Bingos” clandestinos da cidade... Pra se ter uma idéia, logo de cara, o seu Nestor, da casa 2, me cumprimentou sorridente... O velho mal enxergava. Vivia a dar cabeçadas pelas paredes... O pior se deu com o Juca da farmácia. Ô rapaz inconveniente. Eu, que já tentava me ocultar por detrás das árvores, corei com seus gritos do balcão indagando se estava indo pra algum tipo de passeata? – Passeata uma ova! Pensei tomada de ódio. - Seu Juvenal, o jornaleiro da banca da esquina, que não se detém por nada, se intrometeu no assunto, e o pior, chamou a atenção de todos que passavam, afirmando que era um protesto solitário: “Esqueçam a Amazônia, que não tem mais solução e salvem as gordinhas!” De longe ainda, ecoavam as gargalhadas. É nessas horas que eu odeio o povo do subúrbio. Sabem dar conta da vida de todos! Por fim, cheguei à Praça do Patriarca, local onde acontece o encontro dos ATI “Atletas da Terceira Idade, o que não é o meu caso, mas Gilda falou que era só pra começar. Eu estava mais perdida que cego em tiroteio naquela manhã. Não sabia pra que lado ir, e em completo jejum, pasmei, assistindo toda aquela gente passar ligeiro por mim... E na maioria, idosos! Não deu outra, fiquei zonza que dona Margarida teve de me acudir, e a mesma, aos setenta anos de idade, passou umas quatro vezes por mim enquanto mal concluía a primeira volta... Era o peso, o desgosto, o desconforto das roupas e tudo aliado a fome, que só lembrava os pães fofinhos, a variedade de massas cheirosas... cada modelo mais atraente que o outro e ainda, besuntados de cremes e açucares... Mas estavam proibidos...
_Quem diria... Eu, traída pelo pão de cada dia! Deveria processar a classe dos padeiros.
A marcha seguiu adiante, cumprindo a rota, e eu atrás, resistindo, até que de repente, surgiu as vistas a tradicional ladeira da igreja de São Roque que pensei: Agora é que me dano de vez! Só não desisti, porque lembrei da aposta que Sampaio bancou na esquina... Três caixas de cervejas contra uma, de que eu, não resistiria ao primeiro dia. E foi exatamente naquele momento, ensopada de suor, bufando de cansaço e arrependida de ter consumido tantos pães, que as coisas fizeram sentido. A luz se ascendeu, enfim! Aquela roupa chamativa que subornava meu animo, só poderia ter sido intencional... O pique da raiva foi tamanho, que ao invés de me abater, me motivou. Criei gosto. Meus passos a partir de então, tornaram-se firmes e determinados que as bochechas estremeciam ao impacto... Dona Margarida ficou pra trás a ver poeira, e a medida que eu lembrava Sampaio com seu sorriso falso e olhar dissimulado, meus passos aceleravam. O pior, é que o cretino ainda tirava onda pelo bairro dizendo, que ao contrário de mim, estava em forma. Um iludido! Desde que se aposentou não faz nada. Passou a ser simplesmente, mais um adorno pra minha sala de estar... Marido aposentado, é que nem duendes de jardins de gente rica: sedentários, ultrapassados e barrigudos, e não fugia ao modelo não. Sua barriga há muito se sentia absoluta, flácida e uniformemente acomodada sobre o cós da bermuda. Uma empada de botequim! Do jeito que ia, não tardava perder das vistas o pequenino e quase aposentado orgulho... Mas descarado que era, dizia ser por conta da cerveja... “Se eu parar ela some!”... E eu que pensava que esta saía toda pela urina. Sussurrei quase sem fôlego.
Mesmo com aquela roupa, parecendo altar de igreja em dia de festa, jurei completar as três quadras, duas ladeiras e gastando o tempo mínimo de quarenta minutos. Moleza! Falei enxugando o suor... Era exatamente o mesmo tempo que eu gastava pra buscar o pão na outra quadra, claro que, considerando a fila no caixa, a espera no balcão, a falta de troco, as malditas cem gramas de mortadelas da promoção dos dez pãezinhos que só fazem aumentar a freguesia, mas que findam antes do prazo cedendo vez às brigas... Estava morta, mas cumpri a penitencia. O suor escorria, as carnes das pernas latejavam trêmulas, os pés ardiam, mas os malditos girassóis prosseguiam vibrantes e inabaláveis! Atravessei os portões da vila com meu estômago roncando, vistas turvas, mas a alma de uma verdadeira heroína. Mariana veio me encontrar no caminho gritando: Mãe você conseguiu! Você conseguiu! Sorriu-me exibindo aquele pavoroso aparelho metálico, tomado de massa de pão, mas poupei as criticas afinal, disse que havia me preparado um café especial: chá com adoçante e quatro torradas de água, sem o sal... Juro que, se eu cedesse ao pranto naquele momento, estaria chorando até hoje...
Sampaio não. O salafrário preferiu me aguardar ao portão com os olhos fitos no maldito cronômetro e o coração por certo, acelerado pelo desapontamento. _ Três minutos adiantados! Falou irônico, e ainda teve a ousadia de dizer que o primeiro dia não dá pra avaliar, pois normalmente é motivado pela emoção, pressão, vaidade... Ergui a sobranceira esquerda, gesto que evito, mas quando acontece faz todos em casa temer, e olhando-o com extrema indiferença, que fiz questão, respondi: _ Vai se ferrar, Sampaio! A partir de então, suspirei aliviada, leve, que até os girassóis ficaram mais simpáticos... Parti pro banho assoviando a musica do Gonzaguinha: “Desesperar jamais”.
O fato é que, há dois anos mantenho a dieta rígida e a rotina de caminhar todas as manhãs. Confesso que no início, passei o pão que diabo amassou, mas cheguei ao peso ideal. Hoje, de uniforme novo e com tudo em “baixa”, sirvo de exemplo e orgulho para muitos no bairro, inclusive Sampaio, que depois de ouvir muitas criticas a sua barriga, largou mão da resistência e aderiu ao prazer de uma vida mais saudável.

Texto de:
Marisa Rosa Cabral
13/09/2007.

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Oi, Sou a Rosinha compartilhando a vida cheia de graça com você. Do cotidiano onde, nada me escapa. nenhum detalhe se perde através das vidraças de minha janela, e pode acreditar, tudo narrado aqui, foi vivido na íntegra, eu apenas, acrescento a cada conto uma pitada deste bom humor sagaz e imperativo que Deus me deu!(risos)

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Para Marisa Rosa Sou geminiana, sim! Sou geminiana sou, simples e complicada vaidosa e relaxada... uma mulher cheia de amor. Inconstante é-me a minha própria carne e se a timidez me persegue é ela minha indócil estrada que chega a tirar-me o fôlego. Meu choro é cheio como o mar e jorra livre como o vento e não esconde o que eu sinto quando minha face vive e expõe as faces dos meus sentimentos. Sou a chuva que busca a solidão no nostálgico das brumas a viciar-me na poesia que traço quando minha alma, o coração abraça e no peito uma mulher declama. Paulino Vergetti em 2 de Setembro de 2008 http://www.luso-poemas.net/modules/yogurt/index.php?uid=5737