terça-feira, 26 de junho de 2007

Aprendo vendo a vida...


Gosto de acompanhar metamorfose de mulher quando engravida e rir do equivocado que lhe empina, a barriga, querendo explodir pra frente, de repente, desce!

Gosto de me assustar ao rever a menina de trança quando já dança aos braços do jovem de barda rasteira se fazendo faceira e pasmar os olhos às ruas e me surpreender com a casa antiga reformada, de onde exala cheiro bom! Choro de bebê... Coisa boa de vê!

Vida é que nem torneira aberta jorrando água... “Água demais mata a planta”, já dizia o poeta, mas quando não mata escorre fazendo trilha no chão de lama virando um rio na imaginação que cresce e vai longe, como o fio de lã ao colo de tia Edith, que sem perceber, vai se transformando em manta e a mesma linha mágica, quando sobra, transforma-se em biquinhos coloridos, que quem vê, pensa ser um bando de passarinhos amarradinhos ao pano da cozinha que enfeita a pia, dia à dia!

Aprendi, com sorte, que só o tempo desbota cores fortes...
Que o que muito se ergue, enverga e tomba...
De onde sai um chamego, escapa um gemido.
Onde habita sorriso, chora uma queixa.
Onde transborda a amor também, escasseia.
Onde cresce um pedido, mora uma prece...
E que a jovem quando emagrece sem dor, padece de amor.

Aprendi que o céu é o mesmo, as luas são muitas...
E que, ao leito que me deito às vezes quente, às vezes frio, a paixão que me jurou ser constante ontem, hoje, faz tempo de estio.
Mas o único segredo desvendado, a mim, foi saber que a esperança
Nunca morre! Apenas desfalece, dorme...


Marisa Rosa.



sábado, 16 de junho de 2007

Gilda atravessou o quintal em silencio que me assustou a cozinha. Trouxe além do empadão de frango que tanto gosto, uma cara desolada que não perguntei. Aliás, também não ando bem de humor. Há dias que venho lembrando Sampaio de não deixar vencer minha assinatura no jornal, pra não perder a promoção que custei tanto a adquirir, o que não adiantou. Manteve o estranho olhar cisudo, quando sentou-se a mesa. Servi o café e como bem entendo de gente assim, me aliei ao silencio. Perdeu-se olhando pro nada, suspirando vez o outra, enquanto que eu apenas, lamentava em segredo não saber das previsões do meu horóscopo. Não acredito, mas gosto de ler, por que às vezes bate certinho com a realidade, e hoje, julgando por pelas primeiras horas, bem que eu gostaria de confrontar.De repente, ergueu-se da cadeira inventando preguiça, arrastou as sandálias até chegar a janela e fingiu que olhava o movimento. Aquele silencio dissimulado, que muito bem conhecia, a perseguia como filho novo agarrado a barra de saia de mãe, mas deixei passar assim. Findei a louça, e quando já pensava em aprontar o almoço, ousou finalmente. Claro que rodeou palavras, até desembuchar o drama. Narrou muito tímida o que ouviu das faladeiras de ruas sobre a visita inesperada de um primo de Salete. Deduzi que seria o tal, que conheceu a dez anos atrás, e nunca conseguiu esquecer, aliás, todo caso que Gilda teve no passado, suscita um ar de "fatalitê", como diz Jean o cabeleiro da praça. Ela acendeu um cigarro e no primeiro trago, destatou a choramingar amaldiçoando a vida, o destino e tudo mais. -Deus, agora esta! - pensei comigo - Se pelo menos eu tivesse agora as minhas cruzadas diárias, agiria tranquilamente como faço com Sampaio, fingindo atenção, mas não, tive de olhar nos olhos e ainda, sentir pena quando revelou que no fundo se sentia insegura com a situação._ Faz tantos anos... Já estou mais velha, e sei muito bem que homens maduros gostam de meninas mais jovens. Gargalhei de sua irônica fragilidade digo: fragilitê naquelê momentê. Não era a minha amiga quem falava. A mulher mais dissimulada e atrevida que conheci nesta vida. A própria mãe dizia que, verão sem sol era Gilda sem homem, mas não falei dessas recordações pra não magoá-la, mas atentei para o fato de que se tratando de um homem do interior, não era pra tanto medo. Abraçou-me carente e chorosa que tornou a surpreender e, disso não gosto. Coisa que não aprendi, foi lidar com a fragilidade alheia e no mais, pensei confortando-a, querenta e dois anos, é idade suficiente pra se saber das inconstancias que a vida promove. _ mas tu és ainda muito fogosa, e quer saber, nem aparenta tanto. falei deixando-a mais tranquila. Tão satisfeita ficou, que até chamegou um olhar vadio dizendo que desde que soube de sua vinda, deu pra tecer sonhos tolos, infantis... lembrá-lo a voz, o cheiro. – Ora, isso é muito normal na tua idade, já passei por isto, que nem lembro mais! -tornei eu. Arrastou as sandálias de novo e pousou a janela como coruja assustada, contando que Salete não poupou cena ao contar que o tal primo, agora estava bem de vida, dono de sua própria oficina mecânica. A melhor do lugar! – Interior do interior, imaginei desdenhosa, mas argumentei com um sorriso que, se o tal, entende de bem de recauchutagem e motor, não teria problemas. Gargalhamos.A tarde veio mais mansa; trabalhei em silencio sozinha nas minhas costuras achando admirando a paz que fica, quando os filhos partem pra construir vida igual a nossa. também fiquei assim no início do casamento, inventando uma nova rotina pra seguir. Sampaio saiu que nem vi. Anda assim estes dias, desdenhoso, cabisbaixo... Só porque reclamei da assinatura do jornal. Não medi a altura das palavras. Fiz como ele, qundo insiste em me chamar de caduca, e há três dias que dorme na sala. Pior pra ele!No início tudo é poesia. A lua não brilhava mais que meu sorriso. A primavera existia por invejar meu perfume... Dizem que não, mas o amor envelhece! E o nosso já vagueia débil pelos cômodos. Amor meu, perdeu a visão, pois Samapaio passa por mim que nem o percebo...fala que nem ouço e se sorrir, pergunto de cara amarada: o que foi? Saiu cedo que até rejeitou o café. tentei persuadi-lo, mas como sempre, pra justificar seus “equívocos”, busca histórias, cria enredos fantásticos... Imagina que teve a capacidade de relembrar as primícias das bodas, quando eu, insana pobrezinha, contava sorrindo que gostava de cheirar suas camisas antes de lavá-las... _Tolo é você! -gritei da cozinha. - Traz da morte coisas que não ressucitam! o amor! Findei a questão do jornal chamando-o de mesquinho. Sei que fui dura demais, mas retroceder é errar de novo, e no mais, teimosia é coisa de mulher.Naquela mesma noite, ouvi das bocas que sabem tudo, que Gilda havia saído pra jantar com o primo de Salete. -Tomara que este lhe dome! falei sozinha, e aconcheguei-me solitária á rede, com as mesmas dores nas pernas que não passam. Por graças Sampaio chegou. Menos uma preocupação na cabeça. Trouxe o jornal do dia, um embrulho de presente que me entregou junto a um sorriso apático. Era um óleo de ervas cheiroso, que contou curar dores no corpo. _ Serve pra curar memória de marido esquecido também? -perguntei séria, ao que me sorriu tímido e conivente pediu desculpas. desde então, permiti que ficasse ali, ao meu lado. _Dê-me cá as tuas pernas que eu quero ver se o óleo é bom mesmo! falou e enquanto deslizava a mão quente entre minhas coxas, esqueci as dores, o mau humor e até puxei sua atenção, quando disse que a gente é quem morre um pouco a cada dia, mas o bendito amor nunca finda, nunca acaba e nem se esgota.
_ Tu é que tá caducando, mulher!
_ Ora... Antes que ousasse estragar aquele momento de carícias boas que já premeditava onde chegaríamos, ele me silenciou com um beijo caliente que ardeu tudo em mim.
.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Ester vai andar de avião.




Ester vai viajar e por isso estou feliz. Há anos que diz que vai, mas sempre um problema impede. Da última vez até se programou direitinho. Depositava sagradamente, mês por mês um pedacinho do salário, horas extras, serões... Numa poupança programada, quando a filha solteira resolveu dar desgosto. Apareceu de barriga e sei que novidades desta, não há mãe que não se abata. Mas agora não. Tudo fluía e contribuía satisfatoriamente. Já é de anos que a assisto sofrer com a distancia da família. Notícias somente por cartas que custam e quando chaga, alegre ou triste, já é passado. Mas desta vez tudo deu certo! Fluiu que nem rio que parte embora. O neto inesperado já engatinhava pelo chão lustrando o assoalho vermelho com uma frauda encardida atando a chupeta, pra não perder. Coisa ruim é criança perder este vício. Mariana custou anos, e findou dentuça que nem coelho. Hoje reclama de ter que usar aparelho. Sinto um ódio quando Sampaio chama a menina de para-raio ambulante, no fundo também morro de pavor de vê-la sair em dias de chuvas, sei lá se esses metais atraem mesmo relâmpago. A gente ouve casos e mais casos por aí. Vou ver se convença Ester a tirar o vício do neto antes que cresça muito. Não hoje, pois a casa está um alvoroço só. As malas foram feitas e desfeitas inúmeras vezes. Ninguém chegava a um consenso. Impaciente com tanta indecisão decidiu conferir a lista que dona Margot, tão gentilmente nos cedeu naquela manhã. Aliás, Margot é a vizinha que todo mundo deveria ter. Elabora lista pra tudo. Viagens, passeios curtos, longos, ninguém melhor que ela pra fazer lista de gestante e bebê. A danada gosta do engenho que leva gosto. Tem até uma lista de presentes para todos os sexos e idades. Quando solicitada em caso mais específico, como no de Ester que vai para Portugal, leva semana se dedicando em estudar do país o clima, as estações, a cultura e muito exibida, até manda de quebra uma de roteiros e visitas. Tive o prazer de um dia conhecer o interior de sua casa, na ultima enchente que quase inundou a rua. Fiquei impressionada de ver que a porta da geladeira dela, mais parecia mural de oficina mecânica. Infestada de bilhetinhos curtos e compridos. Mas estava tudo certo. Não esqueceu nem das cartelas do específico homeopático “46” que serve para aliviar a prisão de ventre já Ester sofre muito disso. Prisão de ventre e humildade exagerada. Todo mundo que se aproxima feliz com novidade, ao invés de tirar proveito que vai a Europa, não, só fala que o prazer mesmo, vai ser andar de avião pela primeira vez. Ah se fosse Gilda. A esta altura sua vaidade já cobriria o bairro de um lado à outra da estação, exatamente como fez Salete na primeira viagem ao Paraguai. Recordo precisamente, a manhã em que desceu a rua rumo ao salão do bairro, e retornou horas depois, esnobando ao vento o novo colorido dos cabelos, sem contar a lente de contato verde e a prótese nova que tirou no cartão do filho, pra garantir um sorriso a altura. Gilda disse entre os dentes que Salete estava ridícula. Parecia uma perua, mas era pura inveja, eu sei, conhecia ambas, como afirmo que Salete abusou da sorte. Desdenhou tanto a pobre Ester, que esta chegou a achar que a vinda inesperada do neto, foi praga rogada, pois tudo se deu no mesmo ano. Mas uma excursão pro Paraguai não se compara com a viagem de Ester. Sampaio pesquisou e disse que são pra lá de dez horas de avião. E pelo que recordo Salete retornou na mesma semana com a mala abarrotada de muambas. E já no mesmo dia seguia convite a todas as vizinhas para ir ver as novidades. Gilda não foi. Disse que se dependesse dela, o protético levaria a prótese na marra, por falta de pagamento. Eram tantos brinquedos eletrônicos, perfumes, lenços de seda estampados, cada um mais belo que outro. Comprei até um relógio bonito pro meu João Pedro estrear no novo emprego.
Tantas coisas que agora nem é mais novidade. Pelo que sei, qualquer um pode ir ao Paraguai comprar. Nininha mesmo, a manicura do salão, já foi três vezes!
Ester enfim pregou os benditos cadeados e olhando pra gente toda chorosa já, declarou emocionada - Amigas, nem acredito que vou andar de avião! Gilda se engasgou com o café. me disse ao pé do ouvido - Oh, meu Deus! Como pode ser isso, minha amiga rosinha? Sorri disfarçando seu desgosto. - Europa era tudo o que eu queria na vida!
Lembrei que meu João Pedro viria pra almoçar e tratei de me despedir, mas que tentação absurda me tomou, disfarçadamente roubei a chupeta do menino sem que ninguém visse e sai. No caminho de volta, braços dados com Gilda, retruquei ironizando seu despeito incontrolável: - Deus não dá asas à cobra minha querida, e a bem da verdade, doa a quem doer... Ester vai andar de avião.

Deus Apolo




Que boa surpresa ver primo Paulo amanhecer em casa naquele sábado ensolarado. Fiquei deveras contente, pois a muito que andava carente de amigos e boas prosas. Estranhei que veio só, sem Débora e os meninos que tanto alegram a casa com seus falatórios.
Percebi que se exibia o oposto do que sempre fora. Ao invés de falador, reservava-se calado e muito apreensivo de alma, que a princípio me assustou. A mesa do café, somente eu usufruí, e olha que tinha o famoso bolo de milho que aprendi de tia Dirce.
Sampaio como sempre perambulando pelo mundo. Este não abre mão do passeio diário as praças do bairro, inda mais agora que empenhou todo salário num “canário da serra” que mais parece ser da “serra calada”, pois o bichinho nunca ousou um pio! Pra não dar o braço a torcer, diz que não canta por que fica intimidado com os “tic-tac” diários de minha máquina de escrever. Se for esse o motivo, vai morrer mudo. Se em dois meses não se ambientou a rotina, não será preciso um ano como disse o amigo que o vendeu, mas no fundo rezo pra que desembuche logo. Imagine a frustração se o bicho não for dado ao canto. Seu gosto foi sempre ter um desses cantando as manhãs em nossa varanda, e depois, anda tão calmo que se soubesse já teria lhe comprado dúzias...
Mas primo Paulo parecia não se empolgar com as novidades que lhe contava, nem manifestou satisfação quando contei que meu João Pedro havia conseguido a promoção no Banco e ainda ironizei. -Um gerente na família era tudo que precisávamos! Ele limitou-se apenas, a um apático, “É”. Foi então, que percebi que carecia de ajuda, e não de conversas bobas. de boa alma, convidei-o para conhecer meu novo escritório construído a pouco, nos fundos da casa. Graças ao canário! Pensei comigo... Meu reservadinho era simples que nem eu. Sem ar condicionado, carpete cinza, frigobar e cortinas de cetim, apenas três estantes de madeira que eu mesma lixei e envernizei. Pra da um toque mais fino, coloquei a antiga escrivaninha de papai, que tanto Sampaio me cobiçou à alma pra vender pro antiquário do centro. Instigou-me dizendo que renderia boa quantia, e mesmo as carencias assistidas, resisti. Inda mais que na época, lembro bem, andava às volta, envolvido em montar um time de futebol com os vadios do bairro. Pensei que no mínimo o dinheiro da venda seria usado para quitar a conta dos uniformes que mandou fazer na Lapa. Tem nome sujo na praça até hoje. Parei de repente pra recolher do chão as pétalas secas das rosa brancas ao chão, pois bentinha diz que é bom pra fazer chá pra limpar barriga de mulher, e perguntei pro primo o que se passva. -Débora está tendo um caso, rosinha. Falou tão de repente, que custei minutos pra assimilar. Vivi o silencio preciso, por que não me chegavam palavras certas pra começar um diálogo de nível tão melindroso. Abri a porta do escritório e oferecendo um lugar a ele me prostrei abalada pensando naquela santa mulher, atracada aos beijos com outro homem as praças. Era esforço demais. Impossível assimilar a questão, mas mesmo assim, superei o impacto. Com certeza estava equivocado. Aquela santa que conheço bem, não possuiu vestígios da alma volúvel que toda mulher que trai exibe. Sempre se portou com dignidade invejável. Guardo a melhor impressão desta que tenta difamar. -As aparências enganam! Respondeu desolado, mas retruquei imediatamente de que, se tratando de Débora era, inconcebível julgar somente as aparências. Debruçado a janela e, disfarçando o olhar lacrimoso prosseguiu narrando o trágico drama pessoal. Estava muito envergonhado, que, aliás não entendo bem como, e nem por que, quando os papeis se invertem, exibem logo a santa oculta hipocrisia no olhar e palavras que surpreende até santo no céu. E ali estava meu digníssimo primo, que na vida cabia muito enredo pra novela, encenando eximiamente o papel de vítima, dizendo que a semanas, a esposa vinha se comportando mais animada que o normal.
-Vaidosa, perfumada, deu até pra usar batom vermelho pra ir às feiras no bairro, coisa que nunca aconteceu. Achei normal e até disse, que era muito pouco argumento pra um veridicto tão grave. Ele atenuou minhas dúvidas declarando finalmente, de que se tratava de um amante virtual de nome: “Deus Apolo” que de tanto remexer no computador descobriu o “caso”. Quase despenquei da cadeira. Pasmei completamente. E à medida que declarava o seu drama pessoal, eu ficava ainda mais bestificada.
Contou que Débora se levanta de madrugada com a desculpa de que vai baixar pesquisa pros meninos, e que o horário as tantas é gratuito, somente pra se sentar e “teclar” com esse tal “Deus Apolo”. Antes de jogar meu pato de porcelana ao chão, amaldiçoou a internet e tudo que dela vinha. -Vou pedir separação! Declarou tão decido que nem ousei argumentar o contrário. Pensei comigo mesma, enquanto recolhia os cacos do chão, que entre o amante virtual e a besta real de meu primo, Débora estava certa!
Ele partiu mais aliviado depois de ouvir alguns conselhos de Gilda que é macaca velha e de tudo sabe na vida.
Naquela mesma tarde fresca e iluminada, me acomodei a rede da varanda e fiquei a pensar na Débora e seu amante virtual, e em tudo que ouvi. Confesso de boa alma, que até achei o nome do amante bastante sugestivo. Sonhadora que sou, dei asas a imaginação e não demorou, pra vislumbrá-la toda feliz ao lado de um belo louro alto e galante, daqueles que a gente vê em filme americano, pernas grossas, bíceps avantajados, bem dotado... Mas o intruso olhar decadente e deprimido de meu primo, se atreveu. -Débora que é mulher de sorte! Pensei mirando o por do sol tão lindo! Sampaio que cuidava de agasalhar a gaiola do mudinho também me assitia, por isso veio sorrateiro investigar a estranha nostalgia em meu sorriso. -Ta suspirando de quê, rosinha? Não deixei o por do sol por ele, mas respondi que recordava coisas boas. Se sou exímia sonhadora, ele nasceu de alma gêmea com a desconfiança. E não se dando por convencido aproximou-se intrigado, disfarçando olhares e bocas, para enfim, especular. Sorri e o chamei pra deitar-se junto a mim. Abraçou-me apertado, roçou a barba mal feita no meu pescoço, coisa que gosto é esse roçar, esse chamego que me arrepia do pé a cabeça. -Divide comigo tuas coisas boas, minha Rosinha. Pediu quase que implorando. Besteiras! Respondi me aconchegando em seu peito peludo. Estou pensando em vender a velha escrivaninha e investir o dinheiro num computador com internet. - Não acredito! Tu é tão apegada a ela. Falou surpreso.To só preocupada com o canarinho, meu amor.
Sampaio se comoveu com o gesto. Beijou-me a boca com tanto gosto, que a noite passou e nem nos demos conta.

Um sonho chamado Werneck


Não sou despeitada, mas bem que senti certa inveja quando da janela de meu quarto, acenei comovida pra mudança de Clarice partindo embora naquela manhã. Bem que gostaria de um dia poder partir também pra uma casa mais bonita, conhecer novos vizinhos... Saber o gosto de vida nova. Desdenhar a sorte, não! Nunca faria isso. Apenas fico triste de ver um bom vizinho se despedir de mim. Parecem dias de sepultamento. Fico lamentosa rememorando os momentos bons que tivemos... Sampaio diz que sou a mulher mais sentimental e sonhadora da face da terra, choro com final de novela, romance triste e até por morte de cachorro... Só por que lembro a data todo mês do meu que morreu “acidentalmente” esmagado pelas rodas do seu “Fusca” como disse, mas tenho cá minhas dúvidas. Tudo bem que além negro como a noite, já há muito andava cego e surdo a esbarrar nas coisas... Mas foi o meu grande amigo, isto não nego! Nunca reclamou se a comida estava salgada, apimentada, mal temperada, e me fazia festas todas as manhãs quando abria a porta da cozinha para saudá-lo. Um santo, comparado a Sampaio que ultimamente reclama até do café de bentinha, e olha que há décadas usa o mesmo pó, a mesma água fervida, a mesma xícara... Penso que o que mudou, foi o paladar e o gosto da relação. A cada ano mais rabugento e crítico. Clarice deve estar dando graças à Deus de deixar pra traz um vizinho como ele. A pobre penou com suas queixas e ameaças a respeito dos filhos. Dois meninos inconseqüentes como os nossos foram, e caso não lembre, sofremos os mesmos inconvenientes, mas memória de “marido” se perde com o tempo. Sim, vão perdendo tudo aos poucos. A carteira de documentos é o primeiro sintoma deste mal acometido aos homens, depois o chaveiro, as datas importantes, a consideração, a vergonha, aliás, só adquirem barriga e mau humor, enquanto que mulher vai perdendo os sentidos de propósito. Há anos que tateio a relação em paredes frias. se Sampaio fala, eu não ouço, se chega, eu não o vejo e se insiste num assunto, concordo sempre sem saber com quê... Mas se fui feliz nesta vida, devo a ele estes momentos. Fez-me ser mulher completa e saciada, só não realizou alguns sonhos antigos engavetados, mas tenho esperança e sei que esta felicidade chegará por ele, como disse certa vez tia Dirce. Lembrá-la até me comove, pois gostava de vê-la aos domingos à cozinha dançando bolero, enquanto batia a massa do seu tradicional bolo de milho com erva-doce. Vez ou outra gargalhava cínica olhando janela a fora, mas eu sabia por que, e disso, guardo segredo até o túmulo. Uma vez, quando voltávamos da missa pelo atalho da chácara, pois gostava de usá-lo ainda que mais demorado fosse, só pra ver o amor proíbido. - Rosinha minha linda mocinha... Vou te contar aqui o segredo que somente a você permito. Sorriu tão lindo, somente pra contar que homem era mal necessário a vida de toda mulher, pois só ele trazia consigo a felicidade. Balancei a cabeça concordando. Eu era tão menina pra conceber o que queria que eu entendesse, mas prosseguimos pela trilha de barro no meio de mato, ela cantando e eu pensando, sonhando com um menino anjo de asas douradas trazendo na mão um saco dourado cheio de pó colorido que me arremessava ao corpo. Foi assim que vi a felicidade aos doze anos, e foi por este segredo de tia Dirce que comecei a sonhar meus sonhos desde então. Senhor José Madeira, galochas cumpridas, o mesmo blusão xadrez azul com cheiro forte de suor e colônia de alfazema, recolhia o agrião as margens do mangue que de longe vimos. Parecia até que premeditava-nos. Na curva da mangueira ele já aguardava ansioso, sorriso escancarado de alegria. Ficava tão contente de vê-la que recompensava ao prazer, uma sacola repleta de verduras verdinhas, mas era casado, eu sabia. Trocavam frases esquisitas que só hoje sei bem o que diziam e o que significavam um pro outro. Ô vida minha temperada de saudades, sonhos antigos e outros novos a me rondar a mente. Atrevidos são estes que surgem e logo hospedam a alma da gente como se fossem donos por direito, mas meus sonhos são amenos e delicados e não me afastam e muito menos põe risco a vida e realidade que vivo... Se um dia por ventura, Deus achar minha ficha perdida e me conceder o prazer de um realizado, com certeza vou ignorar o de querer mudar de vida, pois falo mal mas gosto mesmo é desta, vou pedir que realize o mais recente. O que nasceu na peixaria ontem ouvindo o poeta Gílio contar sobre sua infancia querida. Em suas saudades também sonhei. Tantas belezas detalhou, que me fez desejar conhecer sua cidade natal, Werneck, só pra passear no trenzinho panorâmico reconhecendo as paisagens que tão bem detalhou e me encantou. Com certeza neste passeio vai nascer inspiração pra tecer mais um sonho pra sonhar e esquecer as saudades que vão se acumulando as janelas do meu quarto. Afinal, sonhar é bom!


Texto de: Marisa Rosa Cabral

Publicado no recanto das letras. T:525211

Na comindade Poemas e Cia.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Sou, mas quem não o é?



Podem me chamar de saudosista que não ligo. Gosto de preservar prendas inúteis, antigas saudades... Sou mesmo, este museu ambulante de quinquilharias, ou como citam meus íntimos: casa antiga fedendo a guardados. Mas não mentem. É isso que sou!
O que fazer se nascemos assim, com mazelas estranhas e incuráveis na alma? Embora feliz com a vida que levo, confesso que nada me dá mais prazer que remexer neste meu íntimo, e tão imenso baú de lembranças vãs, somente para me deleitar com olhares e sorrisos a muito extintos... Cena que nunca deleto, é rever meu papai recostado à porta da cozinha ofegante e cansado pelo mal que o levou, cantando a inesquecível “Boemia”. De mamãe o som dos dedos em mãos delicadas de pianista relaxada, saltitarem sobre a mesa, enquanto pensava e pesava a vida que não sonhou... lembro-a às tardes, quando varria as folhas largadas ao chão de barro de nossa casa humilde no surbúrbio, onde uma canção sempre nascia. Tinha na alma um ventre parideiro de fazer poesias belas, e que nasciam assim, com tão pouco estímulo... Stela cantava com voz afinada, eu, ao coro ajustada, e teinha dedilhava o violão pra nascer bonita a nova melodia...
Nestes devaneios ainda que insano, peso da vida tudo que sei e sou, e se sei tudo de dor e saudade aprendo com estes. Sou mesmo, este velho museu ambulante!

Marisa Rosa Cabral cabral.

publicado no recanto das letras. Código do texto: 509675.

Seguidores

Comentando a vida alheia...

Oi, Sou a Rosinha compartilhando a vida cheia de graça com você. Do cotidiano onde, nada me escapa. nenhum detalhe se perde através das vidraças de minha janela, e pode acreditar, tudo narrado aqui, foi vivido na íntegra, eu apenas, acrescento a cada conto uma pitada deste bom humor sagaz e imperativo que Deus me deu!(risos)

Quem sou eu

Minha foto
Para Marisa Rosa Sou geminiana, sim! Sou geminiana sou, simples e complicada vaidosa e relaxada... uma mulher cheia de amor. Inconstante é-me a minha própria carne e se a timidez me persegue é ela minha indócil estrada que chega a tirar-me o fôlego. Meu choro é cheio como o mar e jorra livre como o vento e não esconde o que eu sinto quando minha face vive e expõe as faces dos meus sentimentos. Sou a chuva que busca a solidão no nostálgico das brumas a viciar-me na poesia que traço quando minha alma, o coração abraça e no peito uma mulher declama. Paulino Vergetti em 2 de Setembro de 2008 http://www.luso-poemas.net/modules/yogurt/index.php?uid=5737