quarta-feira, 13 de junho de 2007

Ester vai andar de avião.




Ester vai viajar e por isso estou feliz. Há anos que diz que vai, mas sempre um problema impede. Da última vez até se programou direitinho. Depositava sagradamente, mês por mês um pedacinho do salário, horas extras, serões... Numa poupança programada, quando a filha solteira resolveu dar desgosto. Apareceu de barriga e sei que novidades desta, não há mãe que não se abata. Mas agora não. Tudo fluía e contribuía satisfatoriamente. Já é de anos que a assisto sofrer com a distancia da família. Notícias somente por cartas que custam e quando chaga, alegre ou triste, já é passado. Mas desta vez tudo deu certo! Fluiu que nem rio que parte embora. O neto inesperado já engatinhava pelo chão lustrando o assoalho vermelho com uma frauda encardida atando a chupeta, pra não perder. Coisa ruim é criança perder este vício. Mariana custou anos, e findou dentuça que nem coelho. Hoje reclama de ter que usar aparelho. Sinto um ódio quando Sampaio chama a menina de para-raio ambulante, no fundo também morro de pavor de vê-la sair em dias de chuvas, sei lá se esses metais atraem mesmo relâmpago. A gente ouve casos e mais casos por aí. Vou ver se convença Ester a tirar o vício do neto antes que cresça muito. Não hoje, pois a casa está um alvoroço só. As malas foram feitas e desfeitas inúmeras vezes. Ninguém chegava a um consenso. Impaciente com tanta indecisão decidiu conferir a lista que dona Margot, tão gentilmente nos cedeu naquela manhã. Aliás, Margot é a vizinha que todo mundo deveria ter. Elabora lista pra tudo. Viagens, passeios curtos, longos, ninguém melhor que ela pra fazer lista de gestante e bebê. A danada gosta do engenho que leva gosto. Tem até uma lista de presentes para todos os sexos e idades. Quando solicitada em caso mais específico, como no de Ester que vai para Portugal, leva semana se dedicando em estudar do país o clima, as estações, a cultura e muito exibida, até manda de quebra uma de roteiros e visitas. Tive o prazer de um dia conhecer o interior de sua casa, na ultima enchente que quase inundou a rua. Fiquei impressionada de ver que a porta da geladeira dela, mais parecia mural de oficina mecânica. Infestada de bilhetinhos curtos e compridos. Mas estava tudo certo. Não esqueceu nem das cartelas do específico homeopático “46” que serve para aliviar a prisão de ventre já Ester sofre muito disso. Prisão de ventre e humildade exagerada. Todo mundo que se aproxima feliz com novidade, ao invés de tirar proveito que vai a Europa, não, só fala que o prazer mesmo, vai ser andar de avião pela primeira vez. Ah se fosse Gilda. A esta altura sua vaidade já cobriria o bairro de um lado à outra da estação, exatamente como fez Salete na primeira viagem ao Paraguai. Recordo precisamente, a manhã em que desceu a rua rumo ao salão do bairro, e retornou horas depois, esnobando ao vento o novo colorido dos cabelos, sem contar a lente de contato verde e a prótese nova que tirou no cartão do filho, pra garantir um sorriso a altura. Gilda disse entre os dentes que Salete estava ridícula. Parecia uma perua, mas era pura inveja, eu sei, conhecia ambas, como afirmo que Salete abusou da sorte. Desdenhou tanto a pobre Ester, que esta chegou a achar que a vinda inesperada do neto, foi praga rogada, pois tudo se deu no mesmo ano. Mas uma excursão pro Paraguai não se compara com a viagem de Ester. Sampaio pesquisou e disse que são pra lá de dez horas de avião. E pelo que recordo Salete retornou na mesma semana com a mala abarrotada de muambas. E já no mesmo dia seguia convite a todas as vizinhas para ir ver as novidades. Gilda não foi. Disse que se dependesse dela, o protético levaria a prótese na marra, por falta de pagamento. Eram tantos brinquedos eletrônicos, perfumes, lenços de seda estampados, cada um mais belo que outro. Comprei até um relógio bonito pro meu João Pedro estrear no novo emprego.
Tantas coisas que agora nem é mais novidade. Pelo que sei, qualquer um pode ir ao Paraguai comprar. Nininha mesmo, a manicura do salão, já foi três vezes!
Ester enfim pregou os benditos cadeados e olhando pra gente toda chorosa já, declarou emocionada - Amigas, nem acredito que vou andar de avião! Gilda se engasgou com o café. me disse ao pé do ouvido - Oh, meu Deus! Como pode ser isso, minha amiga rosinha? Sorri disfarçando seu desgosto. - Europa era tudo o que eu queria na vida!
Lembrei que meu João Pedro viria pra almoçar e tratei de me despedir, mas que tentação absurda me tomou, disfarçadamente roubei a chupeta do menino sem que ninguém visse e sai. No caminho de volta, braços dados com Gilda, retruquei ironizando seu despeito incontrolável: - Deus não dá asas à cobra minha querida, e a bem da verdade, doa a quem doer... Ester vai andar de avião.

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Oi, Sou a Rosinha compartilhando a vida cheia de graça com você. Do cotidiano onde, nada me escapa. nenhum detalhe se perde através das vidraças de minha janela, e pode acreditar, tudo narrado aqui, foi vivido na íntegra, eu apenas, acrescento a cada conto uma pitada deste bom humor sagaz e imperativo que Deus me deu!(risos)

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Para Marisa Rosa Sou geminiana, sim! Sou geminiana sou, simples e complicada vaidosa e relaxada... uma mulher cheia de amor. Inconstante é-me a minha própria carne e se a timidez me persegue é ela minha indócil estrada que chega a tirar-me o fôlego. Meu choro é cheio como o mar e jorra livre como o vento e não esconde o que eu sinto quando minha face vive e expõe as faces dos meus sentimentos. Sou a chuva que busca a solidão no nostálgico das brumas a viciar-me na poesia que traço quando minha alma, o coração abraça e no peito uma mulher declama. Paulino Vergetti em 2 de Setembro de 2008 http://www.luso-poemas.net/modules/yogurt/index.php?uid=5737