sábado, 16 de junho de 2007

Gilda atravessou o quintal em silencio que me assustou a cozinha. Trouxe além do empadão de frango que tanto gosto, uma cara desolada que não perguntei. Aliás, também não ando bem de humor. Há dias que venho lembrando Sampaio de não deixar vencer minha assinatura no jornal, pra não perder a promoção que custei tanto a adquirir, o que não adiantou. Manteve o estranho olhar cisudo, quando sentou-se a mesa. Servi o café e como bem entendo de gente assim, me aliei ao silencio. Perdeu-se olhando pro nada, suspirando vez o outra, enquanto que eu apenas, lamentava em segredo não saber das previsões do meu horóscopo. Não acredito, mas gosto de ler, por que às vezes bate certinho com a realidade, e hoje, julgando por pelas primeiras horas, bem que eu gostaria de confrontar.De repente, ergueu-se da cadeira inventando preguiça, arrastou as sandálias até chegar a janela e fingiu que olhava o movimento. Aquele silencio dissimulado, que muito bem conhecia, a perseguia como filho novo agarrado a barra de saia de mãe, mas deixei passar assim. Findei a louça, e quando já pensava em aprontar o almoço, ousou finalmente. Claro que rodeou palavras, até desembuchar o drama. Narrou muito tímida o que ouviu das faladeiras de ruas sobre a visita inesperada de um primo de Salete. Deduzi que seria o tal, que conheceu a dez anos atrás, e nunca conseguiu esquecer, aliás, todo caso que Gilda teve no passado, suscita um ar de "fatalitê", como diz Jean o cabeleiro da praça. Ela acendeu um cigarro e no primeiro trago, destatou a choramingar amaldiçoando a vida, o destino e tudo mais. -Deus, agora esta! - pensei comigo - Se pelo menos eu tivesse agora as minhas cruzadas diárias, agiria tranquilamente como faço com Sampaio, fingindo atenção, mas não, tive de olhar nos olhos e ainda, sentir pena quando revelou que no fundo se sentia insegura com a situação._ Faz tantos anos... Já estou mais velha, e sei muito bem que homens maduros gostam de meninas mais jovens. Gargalhei de sua irônica fragilidade digo: fragilitê naquelê momentê. Não era a minha amiga quem falava. A mulher mais dissimulada e atrevida que conheci nesta vida. A própria mãe dizia que, verão sem sol era Gilda sem homem, mas não falei dessas recordações pra não magoá-la, mas atentei para o fato de que se tratando de um homem do interior, não era pra tanto medo. Abraçou-me carente e chorosa que tornou a surpreender e, disso não gosto. Coisa que não aprendi, foi lidar com a fragilidade alheia e no mais, pensei confortando-a, querenta e dois anos, é idade suficiente pra se saber das inconstancias que a vida promove. _ mas tu és ainda muito fogosa, e quer saber, nem aparenta tanto. falei deixando-a mais tranquila. Tão satisfeita ficou, que até chamegou um olhar vadio dizendo que desde que soube de sua vinda, deu pra tecer sonhos tolos, infantis... lembrá-lo a voz, o cheiro. – Ora, isso é muito normal na tua idade, já passei por isto, que nem lembro mais! -tornei eu. Arrastou as sandálias de novo e pousou a janela como coruja assustada, contando que Salete não poupou cena ao contar que o tal primo, agora estava bem de vida, dono de sua própria oficina mecânica. A melhor do lugar! – Interior do interior, imaginei desdenhosa, mas argumentei com um sorriso que, se o tal, entende de bem de recauchutagem e motor, não teria problemas. Gargalhamos.A tarde veio mais mansa; trabalhei em silencio sozinha nas minhas costuras achando admirando a paz que fica, quando os filhos partem pra construir vida igual a nossa. também fiquei assim no início do casamento, inventando uma nova rotina pra seguir. Sampaio saiu que nem vi. Anda assim estes dias, desdenhoso, cabisbaixo... Só porque reclamei da assinatura do jornal. Não medi a altura das palavras. Fiz como ele, qundo insiste em me chamar de caduca, e há três dias que dorme na sala. Pior pra ele!No início tudo é poesia. A lua não brilhava mais que meu sorriso. A primavera existia por invejar meu perfume... Dizem que não, mas o amor envelhece! E o nosso já vagueia débil pelos cômodos. Amor meu, perdeu a visão, pois Samapaio passa por mim que nem o percebo...fala que nem ouço e se sorrir, pergunto de cara amarada: o que foi? Saiu cedo que até rejeitou o café. tentei persuadi-lo, mas como sempre, pra justificar seus “equívocos”, busca histórias, cria enredos fantásticos... Imagina que teve a capacidade de relembrar as primícias das bodas, quando eu, insana pobrezinha, contava sorrindo que gostava de cheirar suas camisas antes de lavá-las... _Tolo é você! -gritei da cozinha. - Traz da morte coisas que não ressucitam! o amor! Findei a questão do jornal chamando-o de mesquinho. Sei que fui dura demais, mas retroceder é errar de novo, e no mais, teimosia é coisa de mulher.Naquela mesma noite, ouvi das bocas que sabem tudo, que Gilda havia saído pra jantar com o primo de Salete. -Tomara que este lhe dome! falei sozinha, e aconcheguei-me solitária á rede, com as mesmas dores nas pernas que não passam. Por graças Sampaio chegou. Menos uma preocupação na cabeça. Trouxe o jornal do dia, um embrulho de presente que me entregou junto a um sorriso apático. Era um óleo de ervas cheiroso, que contou curar dores no corpo. _ Serve pra curar memória de marido esquecido também? -perguntei séria, ao que me sorriu tímido e conivente pediu desculpas. desde então, permiti que ficasse ali, ao meu lado. _Dê-me cá as tuas pernas que eu quero ver se o óleo é bom mesmo! falou e enquanto deslizava a mão quente entre minhas coxas, esqueci as dores, o mau humor e até puxei sua atenção, quando disse que a gente é quem morre um pouco a cada dia, mas o bendito amor nunca finda, nunca acaba e nem se esgota.
_ Tu é que tá caducando, mulher!
_ Ora... Antes que ousasse estragar aquele momento de carícias boas que já premeditava onde chegaríamos, ele me silenciou com um beijo caliente que ardeu tudo em mim.
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2 comentários:

Enéas Bispo disse...

Querida Rosinha, agora fiquei até sem forças para comentar esse seu texto. Texto belo,embora perceba nas entrelinhas uma pontinha de mágoas e ressentimentos.
Mas quem não os tem? É a vida...
Mas caminha ligeiro que nós homens as vezes não temos competência nem prá comprar desodorante prá mulher. Mas posso lhe garantir e já contrariando a Monroe ao dizer que os diamantes são a melhor companhia da mulher.Eu digo que a melhor companhia da mulher é o homem!!
Também adorei pouqunho de pimenta no final do texto.
Beijos e paz.

aristea cabral disse...

Achei muito legal e interessante todas as postagem... Manda mais pois assim fico conhecendo melhor o seu trabalho... bjs maninha....

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Comentando a vida alheia...

Oi, Sou a Rosinha compartilhando a vida cheia de graça com você. Do cotidiano onde, nada me escapa. nenhum detalhe se perde através das vidraças de minha janela, e pode acreditar, tudo narrado aqui, foi vivido na íntegra, eu apenas, acrescento a cada conto uma pitada deste bom humor sagaz e imperativo que Deus me deu!(risos)

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Para Marisa Rosa Sou geminiana, sim! Sou geminiana sou, simples e complicada vaidosa e relaxada... uma mulher cheia de amor. Inconstante é-me a minha própria carne e se a timidez me persegue é ela minha indócil estrada que chega a tirar-me o fôlego. Meu choro é cheio como o mar e jorra livre como o vento e não esconde o que eu sinto quando minha face vive e expõe as faces dos meus sentimentos. Sou a chuva que busca a solidão no nostálgico das brumas a viciar-me na poesia que traço quando minha alma, o coração abraça e no peito uma mulher declama. Paulino Vergetti em 2 de Setembro de 2008 http://www.luso-poemas.net/modules/yogurt/index.php?uid=5737