quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Mulher em Crise

Existem verdades que machucam a alma no profundo.
E foi, justo nessa manhã, que eu distraída e sem prevê mudanças, ouvi minha filha se lamentando com o pai a respeito das minhas crises de humor rotineiras. Calei a respiração e permaneci atrás da porta ouvindo o diálogo que fluía despretensioso entre eles. E, não vou negar que ultimamente ando mesmo em crise, mas a doutora me acalmou, dizendo que tudo que sinto são os incômodos da meno pausa, mas confesso que, ouvir esses burburinhos, me deprime ainda mais.
Abri a janela pra arejar o quarto e os pensamentos e em seguida, acendi um cigarro aliviar as tenções e fiquei ali, durante um bom tempo acuada, pensando e buscando um lenitivo para tais dilemas. Uma semana de férias seria bom pra mim e para todos!- pensei. Um tempo rico de paz, exclusivo, somente para mim e  minhas crises!
Não sei explicar, mas quando estou assim, “em crise”, o que é pouco passa a ser demais! Têm dias que fico alegre e em outros, me deprimo. Basta um vento soprar que entristeço e choro saudades que nem entendo. E a rotina dos dias não muda. Sou eu pra tudo o tempo todo! Sei que ando meio desleixada, adiando tudo e qualquer evento, mas também tenho minhas queixas particulares. Nunca falei, mas também me incomoda muitas coisas. A imensa pilha de jornais que atravanca a entrada da área de serviço só faz crescer. A lâmpada da área queimou a meses, e se eu não reclamar vai anos assim... Os copos que se acumulam sobre a pia e que ninguém se atreve... Os tênis, mochilas e tudo mais que deixam largadas sou eu quem recolho...Quando estou fora não encontram nada! Sou eu pra tudo nesse meu lar de leigos inválidos!E Mariana, que não tem noção do quanto é imprestável, é a que mais se queixa de mim! Tolero, pois sei um dia, se Deus quiser, vai estar exatamente aqui, no mesmo lugar, e com posse deste mesmo discurso se perguntando: aonde foi que errei?!
Meu mantra de todas as madrugadas é tentar me convencer de que sou mulher: um ser fadado a padecer calado todo tipo de injustiça, preconceitos e humilhações!
Me arrasto pela casa abatida como se a vida que construí com tanta dedicação e omissão pesasse às costas como a bagagem do mundo inteiro.
Ultimamente tenho me questionado muito neste sentido, e a pergunta é: será que valeu à pena tamanho sacrifício? Sinceramente, não sei. A única certeza que me habita neste momento, é que se eu tivesse coragem, como Shirley Valentine, partiria de férias sem dar conta a ninguém. Fazer como Dorinha, no auge de sua crise que partiu desatinada porta a fora sem deixar bilhete.
Ah, que saudade do colo de minha mãe... Ela sabia e entendia de tudo! E daquela boca santa, que Deus, com certeza, silenciou com um beijo só ouvi os melhores conselhos e votos. E eu, com certeza, nunca tive do que me queixar e mesmo que tivesse, nunca o faria para não perdê-la, ou quem sabe, evitar o constrangimento de vê-la partir feito louca, ou pior, vê-la decepcionada chorando em oculto, como eu agora!

Marisa Rosa Cabral.

कASA दे VILA

Quase meia noite e mais uma encrenca cabeluda acontecia na vila. Por isso que Marajá, o galo velho de Suzana, canta atrasado todas as manhãs. Nem o pobre, consegue descansar em meio a tanta confusão. Como se fossem poucas, as desavenças corriqueiras do dia! - Desabafei tapando os ouvidos com o travesseiro.
Bem ao lado, parede com o quarto, uma confusão mal acabara de cessar. Foi na casa de Jarbas, entre os filhos, Julio e Gustavo, dois adolescentes que só sabem resolver problemas em meio a murros e pontapés.“É a violência que vemos se alastrar pelo mundo, que já entra pela porta da gente sem pedir licença, e ainda faz de vítima nossos mais ricos princípios”. O fato é que, mal nos acomodávamos ao silencio, e já outro escândalo surgia. Agora, entre o casal Jurema e Tadeu. Pra dizer a verdade, já estou acostumada a vê-lo regressar torto de bêbado as noites de sextas-feiras, que fico a imaginar, como uma pessoa neste estado deplorável consegue fazer todo o caminho de casa. Todo bêbado sem vergonha, deveria perder o rumo de casa e só voltar quando passado o porre! E Tadeu é daqueles que enverga, mas não cai. O pior, é que ainda tira onda de machão... Levanta o timbre da voz e dita ordem para que Jurema lhe abra a porta, mas a coitada, ultimamente, deu pra fazer cena, teatrinho com seu drama pessoal, que ao meu ver, já virou comédia... A verdade, é que ninguém sabe atestar se usa do artifício pra convencer a vizinhança, que há muito anda descrente de suas promessas de querer mudar de vida, ou se é sério mesmo! Penso cá comigo, que no fundo, sente gosto de viver neste desgosto de vida. Tem gente que curte miséria, doenças, solidão, dor de dente... E Jurema se faz de vítima por gosto! Agora deu pra se dizer ofendida e cansada dos maus tratos... Até grita pra todos ouvirem, que anda decidida em largá-lo, mas só convence quem não a conhece... No fim, acaba cedendo e a vida prossegue assim, de sexta à sexta!”
Sampaio, que já havia desistido de acompanhar o jogo pelo radio despertador, encolheu-se do meu lado, e daí então, só fazia amaldiçoar a vida e os vizinhos. Falava entre os dentes, deixando escapulir seu veneno fatal, de que a culpada pelos inconvenientes que passava, era totalmente da pobre e inocente Iracema, finada mãe de Tadeu, por ter parido um filho alcoólatra inconseqüente! “Isto sim, é coisa que me tira do sério, ouvir alguém ofender uma mãe. Não me importa os argumentos. Não tolero”. Evitei uma atitude drástica, somente pra não dar margem a mais uma confusão na noite que já estava pra lá de esgotada.
“Homem não tem senso crítico e fica pior se impedido de ouvir seu futebol! Ô vício maldito! Outro dia mesmo, me aborreci feio porque o ouvi chamar João Pedro de miserável. Isto, só por que o filho não tinha em mãos, o talão de cheques pra lhe emprestar uma quantia”.
Respirei fundo e ignorei-o. Pra aliviar a tensão que já me tomava, peguei um livro qualquer na cabeceira e comecei a ler. Os pensamentos vinham em ondas e me roubavam a concentração, então, recomeçava de novo, e de novo... Até que os pensamentos venceram e eu me deixei levar por eles. Lembrei da cena, e comparando com a realidade da noite, só consegui constatar, que o mundo realmente está findando. “Vovó Alzira não cansava de repetir que, boca de mãe era abençoada por Deus, por isso presto bons conselhos e profecias pros meus meninos”.
A voz fraca de Tadeu me trouxe de volta. O pobre dizia que não estava se sentindo bem. Seu mal estar invadiu as frestas e ecoou nos meus ouvidos, que deu até pra ouvir nitidamente as convulsões. Sampaio imediatamente estancou a respiração. O estômago fraco que tem começou a embrulhar, a boca a encher de água, que não teve jeito. Correu pro banheiro, mão na boca, tentando conter a ânsia também. “Por que eu não morro agora, meu Deus?” Desabafei jogando os lençóis pro lado pensando que aquela noite ainda prometia muito! Sem pressa e sem vontade, passei um café e levei pra disfarçar seu mal-estar, mas a lembrança do fato, fazia seus olhos lacrimejarem ainda mais. Deixei-o ali, sozinho, mirando o sanitário, e parti arrastando as sandálias pelo corredor estreito, findando no meu oratório iluminado e florido, onde, com o olhar desolado e, sem mais nenhuma chance de esperança, clamei baixinho: Valei-me meu Santo Expedito!
“Nestas horas eu tenho que concordar com meu João Pedro quando diz que morador de vila é profissão. E é verdade. Se não tiver vocação e paciência, padece com a loucura”.
Em vila compartilha-se tudo! Sofrimento, prazer, tristeza, alegria, confusão, gozo...
Gozo sim, e eu que o diga! Quando o Braga, o novo amante que Sofia conheceu na última excursão pra Valença chega, é um Deus nos acuda! E amanhã é dia! Como todo dia trinta, ele chega trazendo nas mãos um lindo buquê de flores, uma garrafa de vinho tinto e no rosto um sorriso que me festeja a alma assistir.
“Percebo que somente sua presença, faz a noite ser mais quente e silenciosa... Abundam gemidos, gritos e sussurros... E tudo é compartilhado. Vale à pena perder o sono ouvindo-o. Não nego o prazer que me da e até tiro muito proveito da situação.”
Esmeralda a azeda da vila, disse noutra manhã, ao açougue, que se um dia acontecer alguma tragédia no invejável ninho de amor de Sofia e Braga, vamos ter de esperar feder pra tomar providências. Mas esta é despeitada, solitária e insolente, e como bem dizem por ai: a felicidade amorosa alheia só incomoda aos incompetentes!
As noites dos amantes, são mágicas e delirantes! Só tenho dó das crianças de Sofia, pois quando seu galã desponta no portão, fica indócil, que tranca os meninos no quarto dos fundos e toma de CD de Xuxa no último volume. Aí o inferno é geral! De um lado os sussurros de Sofia implorando amor: “ah... meu rei, me mate agora!”. Do outro, a Xuxa gritando estridente... Ta na hora, ta na hora”... Que ninguém entende mais nada. A maior verdade em vila, é que todos, sem exceção, sabem de todos e compartilham de tudo, inclusive, comenta-se de ponta à ponta, da casa um a trigésima, que o novo casal é adepto de uma interessante prática amorosa: fantasia erótica!
“Santo Expedito que me perdoe, mas é parede com parede... Impossível ignorar. Eu até que tento, mas tudo que presta e o que não presta, viola o reboco fino sem permissão, e me pega desprevenida. Além do mais, a tal novidade, de que nunca ouvir falar, tem tornado minhas noites mais excitantes! Ainda recordo a primeira vez em que encenaram o Vampiro Tarado. Braga imitou com tamanha perfeição as gargalhadas do Drácula, que até me assustei, e aquela voz grossa e sensual, sussurrando indecências pra amante, me fizeram corar e inspirar coisas que nunca imaginei. Confesso que após a vinda destes pra vila, Sampaio anda até, se engraçando mais comigo”.
A partir de então, a noite do dia trinta, passou a ser aguardada com muita expectativa, e tem gente que só prega os olhos amanhecendo o dia, mas é manhã de sorrisos e gentilezas. Mérito todo de Braga. “O danado tem talento pro negócio que dá gosto ouvir”. A última foi a do Chapeuzinho Vermelho. Da forma que ocorreu chego a pensar, que já perceberam o silencio especulador que envolve a vila, o que não é normal, pois resolveram encenar a trama do clássico infantil, no pequeno quintal, usando de cenário a velha goiabeira. Deu pra ouvir melhor aos diálogos que improvisavam na hora...
Lembro inclusive, que ao término da fantasia, Sampaio comentou ofegante e baixinho, enquanto o casal de amantes descansavam os corpos nus ao frescor do luar, que não achara tão excitante quanto a do Vampiro, principalmente na parte em que o malvado Lobo Mal comeu a Vovó. Disse que Sofia não soube interpretar seu papel. Não gritou de pavor, não exibiu medo, não sofreu... Por fim, não convenceu. Quem o visse falar daquele jeito, diria que se tratava de um perito crítico de cinema, que eu mesma não me contive e gargalhei dizendo que se fossemos nós, a trama não passaria do café com bolo... Novamente a voz de Tadeu, desta vez mais fraca e baixa pedindo perdão e jurando nunca mais tocar num copo de bebida, me trouxe a realidade. Houve uma breve pausa, até que Jurema cedeu aos seus apelos. Desde então, o silencio voltou a reinar na vila, e o pobre Marajá descansar em paz.
Sampaio retornou pra cama com o semblante abatido e não custou, adormeceu. Eu não, ainda fiquei recostada a porta dos fundos, fumando um cigarro, mirando a lua, rememorando os momentos bons que já vivi ali, naquela vila tumultuada... Pensei curiosa de como seria a tal da nova fantasia que ouvi o Braga combinando com Sofia na última vez: “Lampião o garanhão e Maria a bonitinha”.O tema até que é bastante sugestivo, mas seja o que for, amanhã é dia trinta, e a noite, promete!

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Oi, Sou a Rosinha compartilhando a vida cheia de graça com você. Do cotidiano onde, nada me escapa. nenhum detalhe se perde através das vidraças de minha janela, e pode acreditar, tudo narrado aqui, foi vivido na íntegra, eu apenas, acrescento a cada conto uma pitada deste bom humor sagaz e imperativo que Deus me deu!(risos)

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Para Marisa Rosa Sou geminiana, sim! Sou geminiana sou, simples e complicada vaidosa e relaxada... uma mulher cheia de amor. Inconstante é-me a minha própria carne e se a timidez me persegue é ela minha indócil estrada que chega a tirar-me o fôlego. Meu choro é cheio como o mar e jorra livre como o vento e não esconde o que eu sinto quando minha face vive e expõe as faces dos meus sentimentos. Sou a chuva que busca a solidão no nostálgico das brumas a viciar-me na poesia que traço quando minha alma, o coração abraça e no peito uma mulher declama. Paulino Vergetti em 2 de Setembro de 2008 http://www.luso-poemas.net/modules/yogurt/index.php?uid=5737