quinta-feira, 15 de novembro de 2007

कASA दे VILA

Quase meia noite e mais uma encrenca cabeluda acontecia na vila. Por isso que Marajá, o galo velho de Suzana, canta atrasado todas as manhãs. Nem o pobre, consegue descansar em meio a tanta confusão. Como se fossem poucas, as desavenças corriqueiras do dia! - Desabafei tapando os ouvidos com o travesseiro.
Bem ao lado, parede com o quarto, uma confusão mal acabara de cessar. Foi na casa de Jarbas, entre os filhos, Julio e Gustavo, dois adolescentes que só sabem resolver problemas em meio a murros e pontapés.“É a violência que vemos se alastrar pelo mundo, que já entra pela porta da gente sem pedir licença, e ainda faz de vítima nossos mais ricos princípios”. O fato é que, mal nos acomodávamos ao silencio, e já outro escândalo surgia. Agora, entre o casal Jurema e Tadeu. Pra dizer a verdade, já estou acostumada a vê-lo regressar torto de bêbado as noites de sextas-feiras, que fico a imaginar, como uma pessoa neste estado deplorável consegue fazer todo o caminho de casa. Todo bêbado sem vergonha, deveria perder o rumo de casa e só voltar quando passado o porre! E Tadeu é daqueles que enverga, mas não cai. O pior, é que ainda tira onda de machão... Levanta o timbre da voz e dita ordem para que Jurema lhe abra a porta, mas a coitada, ultimamente, deu pra fazer cena, teatrinho com seu drama pessoal, que ao meu ver, já virou comédia... A verdade, é que ninguém sabe atestar se usa do artifício pra convencer a vizinhança, que há muito anda descrente de suas promessas de querer mudar de vida, ou se é sério mesmo! Penso cá comigo, que no fundo, sente gosto de viver neste desgosto de vida. Tem gente que curte miséria, doenças, solidão, dor de dente... E Jurema se faz de vítima por gosto! Agora deu pra se dizer ofendida e cansada dos maus tratos... Até grita pra todos ouvirem, que anda decidida em largá-lo, mas só convence quem não a conhece... No fim, acaba cedendo e a vida prossegue assim, de sexta à sexta!”
Sampaio, que já havia desistido de acompanhar o jogo pelo radio despertador, encolheu-se do meu lado, e daí então, só fazia amaldiçoar a vida e os vizinhos. Falava entre os dentes, deixando escapulir seu veneno fatal, de que a culpada pelos inconvenientes que passava, era totalmente da pobre e inocente Iracema, finada mãe de Tadeu, por ter parido um filho alcoólatra inconseqüente! “Isto sim, é coisa que me tira do sério, ouvir alguém ofender uma mãe. Não me importa os argumentos. Não tolero”. Evitei uma atitude drástica, somente pra não dar margem a mais uma confusão na noite que já estava pra lá de esgotada.
“Homem não tem senso crítico e fica pior se impedido de ouvir seu futebol! Ô vício maldito! Outro dia mesmo, me aborreci feio porque o ouvi chamar João Pedro de miserável. Isto, só por que o filho não tinha em mãos, o talão de cheques pra lhe emprestar uma quantia”.
Respirei fundo e ignorei-o. Pra aliviar a tensão que já me tomava, peguei um livro qualquer na cabeceira e comecei a ler. Os pensamentos vinham em ondas e me roubavam a concentração, então, recomeçava de novo, e de novo... Até que os pensamentos venceram e eu me deixei levar por eles. Lembrei da cena, e comparando com a realidade da noite, só consegui constatar, que o mundo realmente está findando. “Vovó Alzira não cansava de repetir que, boca de mãe era abençoada por Deus, por isso presto bons conselhos e profecias pros meus meninos”.
A voz fraca de Tadeu me trouxe de volta. O pobre dizia que não estava se sentindo bem. Seu mal estar invadiu as frestas e ecoou nos meus ouvidos, que deu até pra ouvir nitidamente as convulsões. Sampaio imediatamente estancou a respiração. O estômago fraco que tem começou a embrulhar, a boca a encher de água, que não teve jeito. Correu pro banheiro, mão na boca, tentando conter a ânsia também. “Por que eu não morro agora, meu Deus?” Desabafei jogando os lençóis pro lado pensando que aquela noite ainda prometia muito! Sem pressa e sem vontade, passei um café e levei pra disfarçar seu mal-estar, mas a lembrança do fato, fazia seus olhos lacrimejarem ainda mais. Deixei-o ali, sozinho, mirando o sanitário, e parti arrastando as sandálias pelo corredor estreito, findando no meu oratório iluminado e florido, onde, com o olhar desolado e, sem mais nenhuma chance de esperança, clamei baixinho: Valei-me meu Santo Expedito!
“Nestas horas eu tenho que concordar com meu João Pedro quando diz que morador de vila é profissão. E é verdade. Se não tiver vocação e paciência, padece com a loucura”.
Em vila compartilha-se tudo! Sofrimento, prazer, tristeza, alegria, confusão, gozo...
Gozo sim, e eu que o diga! Quando o Braga, o novo amante que Sofia conheceu na última excursão pra Valença chega, é um Deus nos acuda! E amanhã é dia! Como todo dia trinta, ele chega trazendo nas mãos um lindo buquê de flores, uma garrafa de vinho tinto e no rosto um sorriso que me festeja a alma assistir.
“Percebo que somente sua presença, faz a noite ser mais quente e silenciosa... Abundam gemidos, gritos e sussurros... E tudo é compartilhado. Vale à pena perder o sono ouvindo-o. Não nego o prazer que me da e até tiro muito proveito da situação.”
Esmeralda a azeda da vila, disse noutra manhã, ao açougue, que se um dia acontecer alguma tragédia no invejável ninho de amor de Sofia e Braga, vamos ter de esperar feder pra tomar providências. Mas esta é despeitada, solitária e insolente, e como bem dizem por ai: a felicidade amorosa alheia só incomoda aos incompetentes!
As noites dos amantes, são mágicas e delirantes! Só tenho dó das crianças de Sofia, pois quando seu galã desponta no portão, fica indócil, que tranca os meninos no quarto dos fundos e toma de CD de Xuxa no último volume. Aí o inferno é geral! De um lado os sussurros de Sofia implorando amor: “ah... meu rei, me mate agora!”. Do outro, a Xuxa gritando estridente... Ta na hora, ta na hora”... Que ninguém entende mais nada. A maior verdade em vila, é que todos, sem exceção, sabem de todos e compartilham de tudo, inclusive, comenta-se de ponta à ponta, da casa um a trigésima, que o novo casal é adepto de uma interessante prática amorosa: fantasia erótica!
“Santo Expedito que me perdoe, mas é parede com parede... Impossível ignorar. Eu até que tento, mas tudo que presta e o que não presta, viola o reboco fino sem permissão, e me pega desprevenida. Além do mais, a tal novidade, de que nunca ouvir falar, tem tornado minhas noites mais excitantes! Ainda recordo a primeira vez em que encenaram o Vampiro Tarado. Braga imitou com tamanha perfeição as gargalhadas do Drácula, que até me assustei, e aquela voz grossa e sensual, sussurrando indecências pra amante, me fizeram corar e inspirar coisas que nunca imaginei. Confesso que após a vinda destes pra vila, Sampaio anda até, se engraçando mais comigo”.
A partir de então, a noite do dia trinta, passou a ser aguardada com muita expectativa, e tem gente que só prega os olhos amanhecendo o dia, mas é manhã de sorrisos e gentilezas. Mérito todo de Braga. “O danado tem talento pro negócio que dá gosto ouvir”. A última foi a do Chapeuzinho Vermelho. Da forma que ocorreu chego a pensar, que já perceberam o silencio especulador que envolve a vila, o que não é normal, pois resolveram encenar a trama do clássico infantil, no pequeno quintal, usando de cenário a velha goiabeira. Deu pra ouvir melhor aos diálogos que improvisavam na hora...
Lembro inclusive, que ao término da fantasia, Sampaio comentou ofegante e baixinho, enquanto o casal de amantes descansavam os corpos nus ao frescor do luar, que não achara tão excitante quanto a do Vampiro, principalmente na parte em que o malvado Lobo Mal comeu a Vovó. Disse que Sofia não soube interpretar seu papel. Não gritou de pavor, não exibiu medo, não sofreu... Por fim, não convenceu. Quem o visse falar daquele jeito, diria que se tratava de um perito crítico de cinema, que eu mesma não me contive e gargalhei dizendo que se fossemos nós, a trama não passaria do café com bolo... Novamente a voz de Tadeu, desta vez mais fraca e baixa pedindo perdão e jurando nunca mais tocar num copo de bebida, me trouxe a realidade. Houve uma breve pausa, até que Jurema cedeu aos seus apelos. Desde então, o silencio voltou a reinar na vila, e o pobre Marajá descansar em paz.
Sampaio retornou pra cama com o semblante abatido e não custou, adormeceu. Eu não, ainda fiquei recostada a porta dos fundos, fumando um cigarro, mirando a lua, rememorando os momentos bons que já vivi ali, naquela vila tumultuada... Pensei curiosa de como seria a tal da nova fantasia que ouvi o Braga combinando com Sofia na última vez: “Lampião o garanhão e Maria a bonitinha”.O tema até que é bastante sugestivo, mas seja o que for, amanhã é dia trinta, e a noite, promete!

Um comentário:

Wellington Felix disse...

Rosa como voce consegue, fazer dos seus dramas diários lindos contos, que me fazem chorar de rir, voce descreve as situações com maestria e bom humor.
Adoro ler seus contos

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Comentando a vida alheia...

Oi, Sou a Rosinha compartilhando a vida cheia de graça com você. Do cotidiano onde, nada me escapa. nenhum detalhe se perde através das vidraças de minha janela, e pode acreditar, tudo narrado aqui, foi vivido na íntegra, eu apenas, acrescento a cada conto uma pitada deste bom humor sagaz e imperativo que Deus me deu!(risos)

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Para Marisa Rosa Sou geminiana, sim! Sou geminiana sou, simples e complicada vaidosa e relaxada... uma mulher cheia de amor. Inconstante é-me a minha própria carne e se a timidez me persegue é ela minha indócil estrada que chega a tirar-me o fôlego. Meu choro é cheio como o mar e jorra livre como o vento e não esconde o que eu sinto quando minha face vive e expõe as faces dos meus sentimentos. Sou a chuva que busca a solidão no nostálgico das brumas a viciar-me na poesia que traço quando minha alma, o coração abraça e no peito uma mulher declama. Paulino Vergetti em 2 de Setembro de 2008 http://www.luso-poemas.net/modules/yogurt/index.php?uid=5737