quarta-feira, 13 de junho de 2007

Deus Apolo




Que boa surpresa ver primo Paulo amanhecer em casa naquele sábado ensolarado. Fiquei deveras contente, pois a muito que andava carente de amigos e boas prosas. Estranhei que veio só, sem Débora e os meninos que tanto alegram a casa com seus falatórios.
Percebi que se exibia o oposto do que sempre fora. Ao invés de falador, reservava-se calado e muito apreensivo de alma, que a princípio me assustou. A mesa do café, somente eu usufruí, e olha que tinha o famoso bolo de milho que aprendi de tia Dirce.
Sampaio como sempre perambulando pelo mundo. Este não abre mão do passeio diário as praças do bairro, inda mais agora que empenhou todo salário num “canário da serra” que mais parece ser da “serra calada”, pois o bichinho nunca ousou um pio! Pra não dar o braço a torcer, diz que não canta por que fica intimidado com os “tic-tac” diários de minha máquina de escrever. Se for esse o motivo, vai morrer mudo. Se em dois meses não se ambientou a rotina, não será preciso um ano como disse o amigo que o vendeu, mas no fundo rezo pra que desembuche logo. Imagine a frustração se o bicho não for dado ao canto. Seu gosto foi sempre ter um desses cantando as manhãs em nossa varanda, e depois, anda tão calmo que se soubesse já teria lhe comprado dúzias...
Mas primo Paulo parecia não se empolgar com as novidades que lhe contava, nem manifestou satisfação quando contei que meu João Pedro havia conseguido a promoção no Banco e ainda ironizei. -Um gerente na família era tudo que precisávamos! Ele limitou-se apenas, a um apático, “É”. Foi então, que percebi que carecia de ajuda, e não de conversas bobas. de boa alma, convidei-o para conhecer meu novo escritório construído a pouco, nos fundos da casa. Graças ao canário! Pensei comigo... Meu reservadinho era simples que nem eu. Sem ar condicionado, carpete cinza, frigobar e cortinas de cetim, apenas três estantes de madeira que eu mesma lixei e envernizei. Pra da um toque mais fino, coloquei a antiga escrivaninha de papai, que tanto Sampaio me cobiçou à alma pra vender pro antiquário do centro. Instigou-me dizendo que renderia boa quantia, e mesmo as carencias assistidas, resisti. Inda mais que na época, lembro bem, andava às volta, envolvido em montar um time de futebol com os vadios do bairro. Pensei que no mínimo o dinheiro da venda seria usado para quitar a conta dos uniformes que mandou fazer na Lapa. Tem nome sujo na praça até hoje. Parei de repente pra recolher do chão as pétalas secas das rosa brancas ao chão, pois bentinha diz que é bom pra fazer chá pra limpar barriga de mulher, e perguntei pro primo o que se passva. -Débora está tendo um caso, rosinha. Falou tão de repente, que custei minutos pra assimilar. Vivi o silencio preciso, por que não me chegavam palavras certas pra começar um diálogo de nível tão melindroso. Abri a porta do escritório e oferecendo um lugar a ele me prostrei abalada pensando naquela santa mulher, atracada aos beijos com outro homem as praças. Era esforço demais. Impossível assimilar a questão, mas mesmo assim, superei o impacto. Com certeza estava equivocado. Aquela santa que conheço bem, não possuiu vestígios da alma volúvel que toda mulher que trai exibe. Sempre se portou com dignidade invejável. Guardo a melhor impressão desta que tenta difamar. -As aparências enganam! Respondeu desolado, mas retruquei imediatamente de que, se tratando de Débora era, inconcebível julgar somente as aparências. Debruçado a janela e, disfarçando o olhar lacrimoso prosseguiu narrando o trágico drama pessoal. Estava muito envergonhado, que, aliás não entendo bem como, e nem por que, quando os papeis se invertem, exibem logo a santa oculta hipocrisia no olhar e palavras que surpreende até santo no céu. E ali estava meu digníssimo primo, que na vida cabia muito enredo pra novela, encenando eximiamente o papel de vítima, dizendo que a semanas, a esposa vinha se comportando mais animada que o normal.
-Vaidosa, perfumada, deu até pra usar batom vermelho pra ir às feiras no bairro, coisa que nunca aconteceu. Achei normal e até disse, que era muito pouco argumento pra um veridicto tão grave. Ele atenuou minhas dúvidas declarando finalmente, de que se tratava de um amante virtual de nome: “Deus Apolo” que de tanto remexer no computador descobriu o “caso”. Quase despenquei da cadeira. Pasmei completamente. E à medida que declarava o seu drama pessoal, eu ficava ainda mais bestificada.
Contou que Débora se levanta de madrugada com a desculpa de que vai baixar pesquisa pros meninos, e que o horário as tantas é gratuito, somente pra se sentar e “teclar” com esse tal “Deus Apolo”. Antes de jogar meu pato de porcelana ao chão, amaldiçoou a internet e tudo que dela vinha. -Vou pedir separação! Declarou tão decido que nem ousei argumentar o contrário. Pensei comigo mesma, enquanto recolhia os cacos do chão, que entre o amante virtual e a besta real de meu primo, Débora estava certa!
Ele partiu mais aliviado depois de ouvir alguns conselhos de Gilda que é macaca velha e de tudo sabe na vida.
Naquela mesma tarde fresca e iluminada, me acomodei a rede da varanda e fiquei a pensar na Débora e seu amante virtual, e em tudo que ouvi. Confesso de boa alma, que até achei o nome do amante bastante sugestivo. Sonhadora que sou, dei asas a imaginação e não demorou, pra vislumbrá-la toda feliz ao lado de um belo louro alto e galante, daqueles que a gente vê em filme americano, pernas grossas, bíceps avantajados, bem dotado... Mas o intruso olhar decadente e deprimido de meu primo, se atreveu. -Débora que é mulher de sorte! Pensei mirando o por do sol tão lindo! Sampaio que cuidava de agasalhar a gaiola do mudinho também me assitia, por isso veio sorrateiro investigar a estranha nostalgia em meu sorriso. -Ta suspirando de quê, rosinha? Não deixei o por do sol por ele, mas respondi que recordava coisas boas. Se sou exímia sonhadora, ele nasceu de alma gêmea com a desconfiança. E não se dando por convencido aproximou-se intrigado, disfarçando olhares e bocas, para enfim, especular. Sorri e o chamei pra deitar-se junto a mim. Abraçou-me apertado, roçou a barba mal feita no meu pescoço, coisa que gosto é esse roçar, esse chamego que me arrepia do pé a cabeça. -Divide comigo tuas coisas boas, minha Rosinha. Pediu quase que implorando. Besteiras! Respondi me aconchegando em seu peito peludo. Estou pensando em vender a velha escrivaninha e investir o dinheiro num computador com internet. - Não acredito! Tu é tão apegada a ela. Falou surpreso.To só preocupada com o canarinho, meu amor.
Sampaio se comoveu com o gesto. Beijou-me a boca com tanto gosto, que a noite passou e nem nos demos conta.

Nenhum comentário:

Seguidores

Comentando a vida alheia...

Oi, Sou a Rosinha compartilhando a vida cheia de graça com você. Do cotidiano onde, nada me escapa. nenhum detalhe se perde através das vidraças de minha janela, e pode acreditar, tudo narrado aqui, foi vivido na íntegra, eu apenas, acrescento a cada conto uma pitada deste bom humor sagaz e imperativo que Deus me deu!(risos)

Quem sou eu

Minha foto
Para Marisa Rosa Sou geminiana, sim! Sou geminiana sou, simples e complicada vaidosa e relaxada... uma mulher cheia de amor. Inconstante é-me a minha própria carne e se a timidez me persegue é ela minha indócil estrada que chega a tirar-me o fôlego. Meu choro é cheio como o mar e jorra livre como o vento e não esconde o que eu sinto quando minha face vive e expõe as faces dos meus sentimentos. Sou a chuva que busca a solidão no nostálgico das brumas a viciar-me na poesia que traço quando minha alma, o coração abraça e no peito uma mulher declama. Paulino Vergetti em 2 de Setembro de 2008 http://www.luso-poemas.net/modules/yogurt/index.php?uid=5737