quarta-feira, 13 de junho de 2007

Um sonho chamado Werneck


Não sou despeitada, mas bem que senti certa inveja quando da janela de meu quarto, acenei comovida pra mudança de Clarice partindo embora naquela manhã. Bem que gostaria de um dia poder partir também pra uma casa mais bonita, conhecer novos vizinhos... Saber o gosto de vida nova. Desdenhar a sorte, não! Nunca faria isso. Apenas fico triste de ver um bom vizinho se despedir de mim. Parecem dias de sepultamento. Fico lamentosa rememorando os momentos bons que tivemos... Sampaio diz que sou a mulher mais sentimental e sonhadora da face da terra, choro com final de novela, romance triste e até por morte de cachorro... Só por que lembro a data todo mês do meu que morreu “acidentalmente” esmagado pelas rodas do seu “Fusca” como disse, mas tenho cá minhas dúvidas. Tudo bem que além negro como a noite, já há muito andava cego e surdo a esbarrar nas coisas... Mas foi o meu grande amigo, isto não nego! Nunca reclamou se a comida estava salgada, apimentada, mal temperada, e me fazia festas todas as manhãs quando abria a porta da cozinha para saudá-lo. Um santo, comparado a Sampaio que ultimamente reclama até do café de bentinha, e olha que há décadas usa o mesmo pó, a mesma água fervida, a mesma xícara... Penso que o que mudou, foi o paladar e o gosto da relação. A cada ano mais rabugento e crítico. Clarice deve estar dando graças à Deus de deixar pra traz um vizinho como ele. A pobre penou com suas queixas e ameaças a respeito dos filhos. Dois meninos inconseqüentes como os nossos foram, e caso não lembre, sofremos os mesmos inconvenientes, mas memória de “marido” se perde com o tempo. Sim, vão perdendo tudo aos poucos. A carteira de documentos é o primeiro sintoma deste mal acometido aos homens, depois o chaveiro, as datas importantes, a consideração, a vergonha, aliás, só adquirem barriga e mau humor, enquanto que mulher vai perdendo os sentidos de propósito. Há anos que tateio a relação em paredes frias. se Sampaio fala, eu não ouço, se chega, eu não o vejo e se insiste num assunto, concordo sempre sem saber com quê... Mas se fui feliz nesta vida, devo a ele estes momentos. Fez-me ser mulher completa e saciada, só não realizou alguns sonhos antigos engavetados, mas tenho esperança e sei que esta felicidade chegará por ele, como disse certa vez tia Dirce. Lembrá-la até me comove, pois gostava de vê-la aos domingos à cozinha dançando bolero, enquanto batia a massa do seu tradicional bolo de milho com erva-doce. Vez ou outra gargalhava cínica olhando janela a fora, mas eu sabia por que, e disso, guardo segredo até o túmulo. Uma vez, quando voltávamos da missa pelo atalho da chácara, pois gostava de usá-lo ainda que mais demorado fosse, só pra ver o amor proíbido. - Rosinha minha linda mocinha... Vou te contar aqui o segredo que somente a você permito. Sorriu tão lindo, somente pra contar que homem era mal necessário a vida de toda mulher, pois só ele trazia consigo a felicidade. Balancei a cabeça concordando. Eu era tão menina pra conceber o que queria que eu entendesse, mas prosseguimos pela trilha de barro no meio de mato, ela cantando e eu pensando, sonhando com um menino anjo de asas douradas trazendo na mão um saco dourado cheio de pó colorido que me arremessava ao corpo. Foi assim que vi a felicidade aos doze anos, e foi por este segredo de tia Dirce que comecei a sonhar meus sonhos desde então. Senhor José Madeira, galochas cumpridas, o mesmo blusão xadrez azul com cheiro forte de suor e colônia de alfazema, recolhia o agrião as margens do mangue que de longe vimos. Parecia até que premeditava-nos. Na curva da mangueira ele já aguardava ansioso, sorriso escancarado de alegria. Ficava tão contente de vê-la que recompensava ao prazer, uma sacola repleta de verduras verdinhas, mas era casado, eu sabia. Trocavam frases esquisitas que só hoje sei bem o que diziam e o que significavam um pro outro. Ô vida minha temperada de saudades, sonhos antigos e outros novos a me rondar a mente. Atrevidos são estes que surgem e logo hospedam a alma da gente como se fossem donos por direito, mas meus sonhos são amenos e delicados e não me afastam e muito menos põe risco a vida e realidade que vivo... Se um dia por ventura, Deus achar minha ficha perdida e me conceder o prazer de um realizado, com certeza vou ignorar o de querer mudar de vida, pois falo mal mas gosto mesmo é desta, vou pedir que realize o mais recente. O que nasceu na peixaria ontem ouvindo o poeta Gílio contar sobre sua infancia querida. Em suas saudades também sonhei. Tantas belezas detalhou, que me fez desejar conhecer sua cidade natal, Werneck, só pra passear no trenzinho panorâmico reconhecendo as paisagens que tão bem detalhou e me encantou. Com certeza neste passeio vai nascer inspiração pra tecer mais um sonho pra sonhar e esquecer as saudades que vão se acumulando as janelas do meu quarto. Afinal, sonhar é bom!


Texto de: Marisa Rosa Cabral

Publicado no recanto das letras. T:525211

Na comindade Poemas e Cia.

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Oi, Sou a Rosinha compartilhando a vida cheia de graça com você. Do cotidiano onde, nada me escapa. nenhum detalhe se perde através das vidraças de minha janela, e pode acreditar, tudo narrado aqui, foi vivido na íntegra, eu apenas, acrescento a cada conto uma pitada deste bom humor sagaz e imperativo que Deus me deu!(risos)

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Para Marisa Rosa Sou geminiana, sim! Sou geminiana sou, simples e complicada vaidosa e relaxada... uma mulher cheia de amor. Inconstante é-me a minha própria carne e se a timidez me persegue é ela minha indócil estrada que chega a tirar-me o fôlego. Meu choro é cheio como o mar e jorra livre como o vento e não esconde o que eu sinto quando minha face vive e expõe as faces dos meus sentimentos. Sou a chuva que busca a solidão no nostálgico das brumas a viciar-me na poesia que traço quando minha alma, o coração abraça e no peito uma mulher declama. Paulino Vergetti em 2 de Setembro de 2008 http://www.luso-poemas.net/modules/yogurt/index.php?uid=5737