quarta-feira, 30 de maio de 2007

A invejável jovem "Mídia"




Jurema é uma dessas personalidades que a gente só encontra no subúrbio da cidade.
Voz pausada, carregada por um sotaque nordestino, muito comum por aqui. Desde moça solteira, lembro bem, a assisto batalhar a vida em faxina pela vizinhança. E sabiamente, como ouço contar, investe seu suado salário na boa educação das filhas, Elaine e Elisa, que cria sozinha com grande orgulho. Trata-se de uma mulher humilde, religiosa, viúva que prossegue a vida na mais perfeita decência e recato. Por isto, estranhei encontrá-la naquela manhã, descontraída, mas um tanto incomodada com a cadeira giratória do salão de beleza: “Mary Coiffeur”. Sorri percebendo-a aflita em meio a tantos espelhos, escovas, laquês... Não sei por que, mas sua presença naquele lugar me causou um estranho contentamento a alma. Sabedora de sua saga e lida, pensava que ela mais que ninguém, merecia usufruir daquele espaço privado, onde nós mulheres dispensamos sem pesar, boa parte do salário somente, para sustentar a vaidade tola de se sentir bem. Um mal imprescindível ao ego feminino! Sampaio diz que é defeito congênito, mas quem é ele pra questionar, se sua vaidade é ainda maior. Passou boa parte da vida servindo a pátria, pátria esta, que nunca reconhecerá seu valor, treinando novos soldados em guerrilhas simuladas, e ainda aposta que não morre sem vê ao menos uma guerra! Merece ver mesmo pelo tanto se empenhou, mas que seja em outro país... Jurema mais que ninguém, merecia degustar daquele momento especial. E garanto que este seria um momento que nunca esqueceria! Como era meio de mês, salão em baixa temporada, pudemos compartilhar de uma conversa mais reservada sobre o assunto que a convencera estar ali. Disse-me tão orgulhosa que Elaine, sua filha mais velha, inteligente que a fama, era por todo reconhecido, havia conseguido boa classificação no vestibular de Direito para Universidade Federal do Estado. Mais que justo, querer ficar bonita para uma comemoração desta! Falei orgulhosa, já que hoje em dia é tão raro um filho proporcionar estas alegrias. Eu mesma, digo de cadeira, não é mesmo! O meu João Pedro é um desajuizado. Imagine, que há três anos seguidos, vem tentando vestibular, e nada. Nem corre riscos nas reclassificações, mas um dia, tenho fé, quem sabe consiga o feito. Se conseguir, já não será razão de alegria, mas de grande alívio, pois haja dinheiro pra bancar cursinhos e apostilas. Sampaio este ano até, adotou o sistema de agenda pra anotar todas as despesas do filho, e a quase um ano que assisto inconformada, todas as manhãs, meu filho partir com seus livros em frangalhos aos braços, ouvindo a mesma ladainha do pai e suas cobranças. Parece prece de terço maligno em romaria pra santo renegado. Mas homem quando quer ser arrogante o faz tão eximiamente que quem vê se assusta... Mas Jurema se achegou a mim sorrateira e muito tímida que é, comentou baixinho, que invejava certas celebridades. O comentário me surpreendeu, mas prosseguiu confidenciando, que até então, seu mundo foi somente sonhar um futuro bom pras filhas... “Qual mãe nessa terra de meu Deus, que não vive a tecer na alma lindos sonhos pros filhos?” Falei solidária e ainda acrescentei que a gente voa tão longe e alto...
Jurema puxou a cadeira mais pra perto e muito mais à vontade, contou que ha muito vinha ouvindo e acompanhando pelas manchetes, rádios, televisão... Enfim, tudo que podia ouvir sobre tal jovem de nome: “Mídia.” Neste momento paralisei os gestos e o pensamento para conceber de quem se tratava de fato, ao que tão inocentemente prosseguiu relatando sem pudor ou malícia, que, desde que soube dos projetos da filha Elaine, em se formar em doutora advogada, passou a desejar fervorosa em suas orações e vigílias, que sua menina também, pudesse contar, nem que fosse com a metade da sorte que a tal da “Mídia” tinha, e desdenhava pelo mundo à fora.
_ Imagine, falou ela, que até na política a danada é respeitada e por demais, influente! Saquei toda moral naquele momento, mas para não deixá-la constrangida em data tão importante, simplesmente concordei.
Jurema baixou os olhos e levou a mão à boca como se fosse proferir blasfemas, mas muito simplória, indagou-me se Deus se ofenderia com os desejos vaidosos de uma mãe, atentando categórica, que invejar a sorte de outros não é boa prática cristã. Neguei veemente um castigo divino, e ainda acrescentei de boa alma, que o que importava naquele momento, era que Elaine prosseguisse provando seu talento e determinação. O reconhecimento seriam provas de bom resultado. Então, aquela pessoa humilde, bonita e de mãos calejadas, desenhou em seu olhar envelhecido um cativante sorriso acanhado e me sussurrou como quem revela um segredo, que pela grande fama da moça, Mídia, no mínimo, deva ter estudado em alguma universidade americana. _Aquelas famosas que a gente vê nos filmes.
Concordei gargalhando de sua magnífica coerência em julgar os fatos, e antes que partisse de vez, segurei-a pela mão e olhando-a firme nos olhos disse.
_Sabe Jurema, no fundo você esta coberta de razão. Essa tal de “Mídia” pela fama incontestável que promove por aí, só pode ser cria de americanos. Os caras lá são muito, inventivos!
_E com certeza, deve ser loura, né dona Rosinha? Sacudi a cabeça concordando e fiquei ali, em silencio, pensando nestes momentos fantásticos que a vida nos apresenta a cada dia abençoado por Deus







Texto de Marisa Rosa Cabral.


Editado no Recanto das letras. sob o código de texto: T 509529.


Comunidade: Café Filosófico.


Comunidade: Poesias e Cia.

Um comentário:

Enéas Bispo disse...

Vai escrever bem assim lá no meu blogue,menina. Esse teu texto flui tão bem que chega a matar a sede de quem vive sedenta de ler algo que valha investir tempo. Beijo e que DEUS abençoe o teu cérebro e tua pena.

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Comentando a vida alheia...

Oi, Sou a Rosinha compartilhando a vida cheia de graça com você. Do cotidiano onde, nada me escapa. nenhum detalhe se perde através das vidraças de minha janela, e pode acreditar, tudo narrado aqui, foi vivido na íntegra, eu apenas, acrescento a cada conto uma pitada deste bom humor sagaz e imperativo que Deus me deu!(risos)

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Para Marisa Rosa Sou geminiana, sim! Sou geminiana sou, simples e complicada vaidosa e relaxada... uma mulher cheia de amor. Inconstante é-me a minha própria carne e se a timidez me persegue é ela minha indócil estrada que chega a tirar-me o fôlego. Meu choro é cheio como o mar e jorra livre como o vento e não esconde o que eu sinto quando minha face vive e expõe as faces dos meus sentimentos. Sou a chuva que busca a solidão no nostálgico das brumas a viciar-me na poesia que traço quando minha alma, o coração abraça e no peito uma mulher declama. Paulino Vergetti em 2 de Setembro de 2008 http://www.luso-poemas.net/modules/yogurt/index.php?uid=5737