terça-feira, 30 de setembro de 2008

Dividas e Perdão!

Mal havia terminado de colocar o bolo de fubá sobre a mesa, Sampaio invadiu a cozinha bufando e com cara de ofendido. Pensei inconformada: _ Lá se foi a paz do meu café!
Percebendo que ainda, em jejum, havia fumado dois cigarros, perguntei: _Fala logo, homem... Que bicho te mordeu?!
Sampaio rejeitou a mesa posta, o bolo, que ele me pediu de véspera pra preparar, satisfazendo-se apenas, com o cafezinho que tomou andando de um lado pro outro até, por fim, desabafar. “Não foi bicho não, foi cobra”! E daí, contou enraivecido que, sua tia Hercília, lhe havia enviado uma carta cheia de palavras cuidadosas... Chamando-o inclusive, de: sobrinho amado! (Deus, quanta demagogia!) – exclamou e partindo em direção à cômoda, onde normalmente depositava as correspondências diárias prontificou-se em trazer todas de uma vez. Prosseguia desabafando, enquanto eu buscava encontrar a dita carta em meio a tantas outras...
Interessante perceber que em vésperas de eleições, somos tão bem lembrados e carinhosamente solicitados. Imagine, devia haver ali, naquele imenso leque umas trinta cartas neste sentido e o pior, de candidatos que nunca ouvi falar!
Enquanto procurava-a comentei desconfiada de sua tia preferir o envio de uma carta, exercício tão cafona e démodé, enquanto que, um telefonema seria mais prático. Nesse momento, Sampaio puxou meu queixo pra si de forma que meus olhos não perdessem sua atenção, e falou-me pausadamente que o tanto de trabalho em compor a aquela missiva foi, única e exclusivamente, para notificá-lo de que, Guilherme, seu primo de pescoço empinado (desdenhou) por causa da falência da empresa em que trabalhou durante vinte e sete anos, andava muito deprimido, atravessando uma fase ruim... Por esta razão não poderiam honrar com as duas últimas cotas do empréstimo que lhe fez, prometendo entrar em contato assim que as coisas melhorassem.
Na mesma hora, me deu dó saber do drama destes parentes. É duro suportar a virada do destino assim, tão bruscamente. Guilherme e a esposa, sempre viveram bem. Lembro que todas as férias passavam fora do país e quando lembravam nos mandavam postais lindos!
Ponderei calmamente, afinal era do conhecimento de todos que, desde que a companhia de aviação que seu primo trabalhou, faliu, as coisas complicaram! Assistimos pela televisão os noticiários!
_ Sim... A empresa dos outros vai a “banca rota” e eu é que arco com os prejuízos?! Admiro-me muito, ouvir você dizer isto, Rosinha! Defender este povo mesquinho e que sempre te esnobou! Penso que no fundo, você é igual a estes, pois sempre que pode, me passa a perna e me deixa no prejuízo! – Esbravejou, e num feito golpe traiçoeiro, foi imediatamente resgatando das profundezas, seus navios piratas em aventuras falidas, mas Sampaio é assim. Cultua o péssimo hábito de colecionar episódios, tragédias, afrontas... Qualquer inspiração, vai lá, no fundo do baú e revive seus fantasmas! Sempre enalteço que sua mente é uma agenda impecavelmente, infinita! Por exemplo: Vive dizendo que me ama, mas não esquece o dezembro em que fui viajar com as crianças e o deixei sozinho por dez dias. Quem ama de verdade, não abandona o outro, falou-me na época... E não teve jeito, tive de ficar ali, ouvindo-o remoer as mágoas do passado, relembrando com dia, mês, ano, hora... E num suspiro de lamento solto a voz contando que durante toda sua vida foi mirado as avessas pela tia soberba que sempre, o julgara: “um mero sargento do exército” enquanto que seu filho, era aclamado como, o engenheiro mais inteligente da família! - Ironizou sorrindo apático e, mirando o nada como quem pesca na memória algo importante, reviveu com fragmentos intimos o único dia que o tal primo se deu ao trabalho de nos visitar, detalhando os olhares de desdém a tudo que via pela casa, e, que mal bebeu um copo d’água, partiu cheio de desculpas.
_ Quem bebe depressa se engasga, Rosinha! - replicou trazendo a tona meu finado tio Bento, confirmando com veemencia de que este viveu igual, esnobando a todos, e findou igual, devendo-lhe boa quantia. _ Mas perdoei! - ponderou com certa dúvida.
Pensei abatida que, pela lógica cronológica de todos seus devedores, ainda viria pro meu café: o irmão de Gilda, que num domingo fatídico, sem intenção, afundou o pára-lama do seu carro novo, os quatro anos de cursinhos pré-vestibulares para João Pedro, o aparelho nos dentes de Mariana, a viagem de férias pra Minas... Cortei uma fatia do bolo e permaneci calada, deixando-o iludido que lhe ouvia, mas segui degustando meu bolo, lembrando que a todos ele doou perdão. Perdão esquisito, que vira e mexe, perde o valor... No fundo os problemas não nos procuram, nós é que vamos buscá-los e no íntimo de cada ser, possuí-los é prazer. Percebia naquele discurso enfatuado que fazia liberando gestos, uma nítida vaidade inflada, camuflada por uma retórica forjada a fogo frio. Finge dor, quando na verdade, goza ao saber que a parentela rica e esnobe, lhe são devedores. E o faz com tanto empenho, sua encenação, que a defesa fica indubitável!
Soberbo quanto ele somente, meu pai. falei comigo mesma, lembrando aquele homem arrogante que passou a vida fazendo questão de mostrar pros filhos o valor de cada coisa comprada: móveis, comida, roupas, sapatos, laser... De tudo nos dava conta, transmitindo naquele teatro, a grande dificuldade que fora para adquiri-las. Entendíamos, naquela época, que aquela forma de se expor tão humilde e sem vaidades era, somente, pra cumprir o exercício de educar, por isso, nos cobrava valor e preservação em tudo. Hoje, mais madura, condeno-o, pois entendo que o fazia era, mostrar do que era capaz de comprar, produzir... A imagem que tenho agora de meu pai e, comparando com a de Sampaio, faz tudo parecer irrisório! Orgulho também, é uma forma de vaidade.
Na alma gloriosa de Sampaio havia grande dificuldade em exercer o perdão e prosseguir em paz! No fundo, meu marido sempre foi um notável colecionador de pedras de tropeços, mas o mundo está infestado de pessoas assim: que de tudo faz drama! Tem gente que te abraça, após um deslize dizendo que está tudo ok, mas na realidade, mente e ainda mantém o fogo da antiga desavença aceso nas cinzas, a mercê de qualquer vento que passando, incendeie! Observo muito disso, pela vida, principalmente, nas relações entre casais. Por exemplo: Eduardo, quando traiu Vânia, Josué e Diva, Paulo e Leda... Marcos e Silvia que ontem, inclusive, soube por Amélia, reataram a relação depois de cinco meses separados. Que Deus os abençoe, já que ambos prometeram jurando apagar todos os erros do passado e acertar a vida daqui pra frente! _Como deveria ser de fato! - falei comigo mesma enquanto recolhia a louça do café. O caso é que, depois de descoberto o erro, uma terrivel discussão abrasada desata repleta de ofensas e juras, tipo: Nunca mais quero te ver! Vá e não volte! Com você nunca mais!... E o pior, é que antes de reverem a situação, pesarem os contrs e os prós, retomam a relação claramente encenando, mentindo para si de que está tudo apagado, zerado mesmo, como Sampaio agora. Mas basta um deslize qualquer pra fazer renascer o mal e acontecer o caus! Toda mágoa contida no silencio dos dias desabam, inundam e faz lama! Pergunto então, onde se esconde o amor enquanto o perdão não chega para libertá-lo? Mirei Sampaio distante de minhas divagações, relendo a carta aflito... _Gostaria de ouvir o amor se manifestar a respeito... Falo do amor do canto lírico e tão lindamente poetizado nas linhas bíblicas: “Um amor que tudo sofre, espera, suporta, supera e perdoa”?!
_Vou buscar o jornal! Falou Sampaio asperamente me despertando dos pensamentos.
_ Vá sim, meu querido, e vê se desencanta toda essa revolta pelo caminho e volte renovado para experimentar o bolo que te fiz com tanto carinho! – ele então, me sorriu, me pediu perdão e concordando partiu.

Marisa Rosa Cabral.

2 comentários:

maria de fátima da silva de arajo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Manoel Virgílio disse...

Oiii Rosinha Teus causos são o espelho do cotidiano e quando os leio vejo muita coisa que se passou em minha vida. Vc precisa os reunir num livro para alegria e satisfação de nós, seus amigos. Beijos mil do amigo Virgílio

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Oi, Sou a Rosinha compartilhando a vida cheia de graça com você. Do cotidiano onde, nada me escapa. nenhum detalhe se perde através das vidraças de minha janela, e pode acreditar, tudo narrado aqui, foi vivido na íntegra, eu apenas, acrescento a cada conto uma pitada deste bom humor sagaz e imperativo que Deus me deu!(risos)

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Para Marisa Rosa Sou geminiana, sim! Sou geminiana sou, simples e complicada vaidosa e relaxada... uma mulher cheia de amor. Inconstante é-me a minha própria carne e se a timidez me persegue é ela minha indócil estrada que chega a tirar-me o fôlego. Meu choro é cheio como o mar e jorra livre como o vento e não esconde o que eu sinto quando minha face vive e expõe as faces dos meus sentimentos. Sou a chuva que busca a solidão no nostálgico das brumas a viciar-me na poesia que traço quando minha alma, o coração abraça e no peito uma mulher declama. Paulino Vergetti em 2 de Setembro de 2008 http://www.luso-poemas.net/modules/yogurt/index.php?uid=5737